Quais os direitos de quem trabalha online e em home office? Tudo que o trabalhador precisa saber

Como identificar vínculo trabalhista em uma relação online e quais os direitos dos trabalhadores digitais.

José Antonio Milagre *
Emily Lucila de Oliveira **

O Home Office, intensificado na pandemia de COVID-19, e mantido por muitas empresas, é cada vez mais utilizado no Brasil e no mundo. A modalidade permite que o empregado desenvolva suas atividades fora do ambiente da empresa. Surge uma classe de “trabalhadores digitais” ou online, prestando serviços para inúmeras empresas, sem, contudo, muitas vezes, existirem regras claras sobre como será esta prestação de serviços, ou mesmo orientações e códigos ligados a segurança da informação e dados pessoais.

Nos termos do art. 74-A-E da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):

Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.

Muitos negócios iniciaram a modalidade de trabalho online, sem se atentarem para as alterações contratuais e aditivos necessários, que estabeleceriam direitos e responsabilidades, fazendo com que o empregado atue em ambiente de incertezas acerca de regras, horas extras, cuidados com segurança, uso de dispositivos pessoais para fins de trabalho, dentre outros.

De se destacar que nos termos do art. 62 da CLT, não é mais necessário controle de jornada e a empresa não é obrigada a pagar horas extras, podendo ocorrer acordos nestas situações que considerem a produtividade e não a jornada. De outra ordem, nada impede o pagamento de horas extras e o controle por meio de softwares especializados. Conforme Jurisprudência:

DO INTERVALO INTRAJORNADA

Alega o autor que não usufruía de intervalo intrajornada e pede a condenação da ré ao pagamento de horas extras equivalente a 15 minutos por dia de trabalho até 23.03.2020, quando passou a trabalhar “home office”.

A ré aduz que não havia fiscalização do horário e que o intervalo para descanso e refeição ficava a cargo do autor, sendo que lhe foi sempre garantido pelo menos 01h.

A reclamada não apresentou documentação idônea, apta a demonstrar o correto registro da jornada de trabalho do reclamante, pelo que resta invertido o ônus da prova, nos termos da Súmula 338 do c. TST, cabendo à reclamada demonstrar o exercício de jornada diferente da constante na inicial, sob pena de prevalecer o que foi afirmado pelo obreiro.

Em audiência, o preposto da ré disse não saber de que horas até que horas o reclamante trabalhava.

Ante o exposto, é procedente o pedido de condenação da reclamada ao pagamento, de natureza indenizatória, de 15 minutos extras, com acréscimo de 50% sobre o valor da hora normal de trabalho, entre 09.09.2019 e 23.03.2020, conforme vier a ser apurado em liquidação de sentença.

Fonte: https://trt-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1331996995/acao-trabalhista-rito-ordinario-atord-10001470820215020029-sp/inteiro-teor-1331997015

O problema ocorre quando existe omissão das regras, o que permite que trabalhadores questionem ou reclamem judicialmente contra empregadores. Com a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, ainda, os empregadores também precisam definir as regras ligadas ao tratamento de dados de clientes e dos próprios trabalhadores, evitando-se que vazamentos ou tratamentos indevidos ocorram e responsabilizem integralmente a empresa.

A demonstração de que não houve conscientização, treinamento, instruções adequadas, pode ser usada, por exemplo, para afastar eventual demissão por justa causa, do mesmo modo, se comprovado que o trabalhador não assinou termo de confidencialidade ou reconhecimento da política de proteção de dados pessoais da empresa.

De outra ordem, se a empresa está madura em relação às regras internas de proteção de dados e os colaboradores instruídos, a violação das regras pelos obreiros pode ensejar a demissão por justa causa:

[…] De plano, consigne-se que o autor admite a materialidade do fato em que repousa a justa causa, qual seja, o compartilhamento de informações e envio de dados pessoais, chancelando a tese defensiva quanto à irregularidade na rotina de trabalho do obreiro. Nesse sentido, as próprias alegações recusais (fls. 260/261, g.n): “07- O Recorrente trabalhava com diversas senhas e informações que mandou para seu e-mail para memorizar, mas não repassou a senha para terceiros, até porque não tem utilidade já que o sistema só pode ser acessado no computador da empresa. 08. Cabe ressaltar que era uma pratica rotineira o compartilhamento de informações dos funcionários para e-mail, para agilizar o trabalho na operação. 09. O Recorrente encaminhou as informações no dia 24/05/2019, fez isso para livrar das anotações, quando chegava na operação era só entrar no e-mail e copiar as senhas no bloco de notas, já que não tinha uma plataforma de trabalho fixa”. Outrossim, da prova documental juntada ao processo, em específico, o”relatório de investigação”(fls. 216/221), válido pois sequer contrariado nos autos, consta que os documentos sigilosos foram encaminhados para domínios eletrônicos estranhos aos da reclamada, fragilizando a segurança das informações da empresa, confirme-se (fls. 218):”Analisamos o conteúdo dos dados vazados pelo ex-colaborador xxxxxxxxxxxxxxxxxx (CPF xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx) que trata-se de um arquivo em formato ‘RAR’ (pasta de arquivos compactada), nesta é possível identificar um total de 165 arquivos variados e de extensões diferentes (txt, JPEG, PDF, XLS e outros). Dentre os documentos identificamos 142 arquivos em formato ‘txt’ que se tratavam de informações cadastrais de segurados de 8 clientes corporativos diferentes, sendo eles, xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. Nestes arquivos constam informações e dados cadastrais (nome, CPF, nascimento, óbito, local do óbito, local do sepultamento, local do falecimento e hospital do óbito e etc.) retirados do histórico das assistências do ramo funeral/pessoas, sendo dados de segurados e seus familiares falecidos”. Ademais, a prova oral produzida ratificou a tese defensiva. Indagada, a testemunha ouvida pela reclamada, Sra. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, disse que: “…foi constatado o vazamento de informações pessoais dos clientes para o e-mail pessoal do reclamante; (…) que quando são admitidos, são informados de que não podem passar informações pessoais dos clientes para os emails pessoais dos empregados; (…) que não sabe precisar os prejuízos causados pelo repasse das informações, mas estas são pessoais e sigilosas e usadas tão somente para fins de seguro…” (fls. 240, g.n). Já a prova oral produzida pelo recorrente não lhe socorreu, pois a única testemunha autoral ouvida, Sr. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (fls. 240), disse que soube pelo próprio autor a motivação da dispensa, pelo que, tenho por frágeis suas informações. Ademais, no que tange à análise da prova oral, com base no princípio da imediação, impõe-se prestigiar as conclusões do julgador de origem (fls. 250), que, instruindo o feito (fls. 241), manteve contato direto com as partes e testemunhas, proporcionando, por conseguinte, um juízo de valor mais qualificado. Por fim, ressalto que o procedimento do reclamante, por sua gravidade, denota quebra irremediável da fidúcia que sustenta a relação entre empregado e empregador e autorizaria, por si só, o reconhecimento da justa causa para rescisão do contrato de trabalho. Mantenho íntegro o julgado. (g.n)

(TRT-2 10013772220195020202 SP, Relator: FERNANDO ALVARO PINHEIRO, 14ª Turma – Cadeira 4, Data de Publicação: 31/08/2020)

Fonte: https://trt-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1118692516/10013772220195020202-sp

Apesar de que, a princípio, possa parecer que a qualidade de vida do trabalhador melhorou, já que não tem mais que enfrentar trânsito, deslocamentos, almoçar na rua, outros riscos e transtornos podem decorrer do trabalho online ou trabalho digital,  como problemas ligados à saúde física, ergonomia, saúde emocional, e principalmente um aumento considerável da jornada de trabalho, formando profissionais que trabalham a qualquer momento e que não são capazes de separar mais atividades pessoais das laborais, no que denomina-se “hiperconexão”. Já se fala em direito à desconexão, como na França, onde o empregador pode ser processado se tratar “a todo o momento” com o empregado, indiscriminadamente, com assuntos de trabalho.

De se destacar que os profissionais online gozam dos mesmos direitos trabalhistas, envolvendo jornada de 44 horas semanais e 8 diárias, DSR de horas consecutivas, férias e 13º salário.

No que tange ao vínculo trabalhista, outro aspecto importante. Muitas relações online, a princípio contratadas como “prestação de serviços”, “autônoma” ou ainda “parceria” ou por meio de outros contratos, na verdade são nítidas relações de emprego “disfarçadas”. A exemplo, profissionais de e-sports, games, negócios digitais, tele-atendimento, profissionais de marketing digital, lançadores de infoprodutos, programadores, dentre outros. Isto porque, ao observar a relação, percebe-se que há pessoalidade, subordinação (que pode ser provada pelas tratativas digitais), não eventualidade e onerosidade, elementos para caracterização da relação de emprego. Neste sentido:

TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. OPERADOR DE TELEMARKETING. ATIVIDADE-FIM. FORMAÇÃO DO VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM O BANCO TOMADOR DE SERVIÇOS. SÚMULA Nº 331, ITEM I, DO TST. Extrai-se da decisão recorrida que o reclamado firmou com a empresa xxxxxxxx contrato para a “realização dos serviços de tele-atendimento para cobrança de créditos vencidos e não pagos, oriundos de operações financeiras formalizadas entre o xxxxxxxxxxxxxxxxx e seus clientes”, bem como consta dos estatutos sociais do banco a descrição das suas atividades com a prática de “operações ativas, passivas acessórias inerentes às carteiras autorizadas (comercial, de investimento, de crédito, financiamento e investimento, de crédito imobiliário e de arrendamento mercantil)”, razão pela qual concluiu o Regional que a contratação da xxxxxxxxxxxxx pelo reclamado se deu para a realização da atividade-fim deste (cobrança de créditos vencidos). Acrescenta, ainda, a Corte de origem que, de acordo com as provas dos autos, das quais é soberana, “não restam dúvidas de que configuram atividade bancária as atribuições desempenhadas pelo reclamante relativos a serviços de cobranças, atualizações de débitos, negociações de débitos, tendo inclusive autonomia para disponibilizar descontos ao cliente, atualização de cadastros de clientes do banco, informações, realização de acordos em contas, cartões vinculados ao banco, cheque especial e empréstimos, auxílio para acesso ao site do banco e impressão de boletos dos acordos realizados”, inclusive faz referência ao fato de que o treinamento inicial do autor se deu no próprio banco, com controle das gravações das conversas para acesso on-line remoto nas dependências deste. Desse modo, o Regional assentou que as atribuições exercidas pelo reclamante, relacionadas à cobrança e à renegociação de dívidas, são típicas de bancário, pois vinculadas à atividade-fim do reclamado, o que atrai a incidência da Súmula nº 333, item I, desta Corte, segundo a qual a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços. Não obstante as provas dos autos não revelarem a existência de subordinação, no seu conceito tradicional, elemento imprescindível para a caracterização do vínculo de emprego com o banco, certo é que o Regional descreveu as atribuições do reclamante, o que possibilita o correto enquadramento jurídico dos fatos consignados. Indubitável que as funções do reclamante, como operador de telemarketing, abrangiam o atendimento a clientes do banco relacionado à cobranças e à renegociação de dívidas. Abstrai-se que elas estão inseridas na atividade precípua do tomador de serviços, porquanto se trata de serviço integrado à sua dinâmica produtiva, com a inserção do reclamante no âmbito do empreendimento econômico do Banco, o qual se beneficiou da força de trabalho do autor, caracterizando o que a doutrina moderna denomina de subordinação estrutural, apta ao reconhecimento do vínculo de emprego.

(TST – RR: 18136220115060009, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 21/02/2018, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/02/2018)

Fonte: https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/857190525/recurso-de-revista-rr-18136220115060009

Assim, em que pese a prestação de serviços se dar à distância, o vínculo pode ser facilmente reconhecido nas relações de trabalho online ou digital. Dentre as regras do trabalho online, é importante destacar que não pode haver modificação no salário se a jornada é a mesma entre o digital e quem trabalha na sede da empresa.

A reforma trabalhista, aliás, já trata também de questões ligadas a limitação de jornada, direito à desconexão e privacidade do trabalhador. Para que o trabalho online se desenvolva sem maiores problemas, o colaborador deve compreender corretamente o formato do trabalho. Vale investimento em capacitação, conscientização e preparo.

A mudança do trabalho da sede do empregador para o trabalho online não pode se dar de um dia para o outro. O funcionário deve ser avisado com 15 dias de antecedência de eventual transição no modelo de jornada. De outra ordem ainda, cabe lembrar que as vezes o empregado acredita estar no modelo “teletrabalho”, mas na verdade é preponderantemente um modelo híbrido e neste sentido, o empregado pode ter direito à reflexos trabalhistas, como por exemplo, horas extras. De se destacar que com a reforma do art. 62 da CLT, a limitação de horas não é regra para o controle de jornada que pode ser controlado por demanda e entrega de atividades, no entanto, deve-se respeitar os acordos realizados de acordo com a disponibilidade do funcionário.

Importante mencionar que em casos de doença ou afastamento, da mesma forma que o trabalho presencial, o empregado deve se afastar e justificar ausência com atestados para abono de faltas. Em casos de acidentes com relação ao trabalho, ocorrido no teletrabalho ou home office, a empresa deverá tratar como acidente de trabalho, desde que provado nexo com a atividade laboral. Também pode ser questionado judicialmente se a empresa não oferecer segurança da informação no trabalho, tendo exposto dados pessoais ou causado danos ao empregado e familiares.

Por fim e não menos importante, muitas vezes o trabalho online custa caro para o trabalhador, que terá gastos com internet, escritório, energia, cadeira ergonômica, dentre outros. Neste contexto, o art. 75-D da CLT estabelece que é de responsabilidade do empregador arcar com estes custos, caso o empregado não os possua, incluindo reembolso:

Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.

Parágrafo único.  As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.

Em síntese, aquele que desenvolve atividades online com subordinação, onerosidade, não eventualidade e pessoalidade, pode ter direitos trabalhistas e o trabalhador que vem atuando no modelo online e home office e não teve a formalização deste modelo, de forma transparente, poderá questionar judicialmente a empresa, inclusive com pedido de horas extras e outras verbas decorrentes desta modalidade. O contratado não sai caro e o acordo entre as partes deve ser feito antes do início da execução das atividades. O aditivo contratual para os contratos, inclusive, prevendo os auxílios necessários para a modalidade online, demonstra-se fundamental, lembrando que os pagamentos feitos pelo empregador e que estão ligados ao fornecimento de estrutura para o trabalho online não tem natureza salarial, não integrando remuneração para fins de cálculo de férias + 1/3, 13 salário, contribuições previdenciárias, FGTS, dentre outros.

Para as empresas que foram para o modelo home office, vale o preparo para o compliance trabalhista online, evitando-se riscos de passivos judiciais e reclamações trabalhistas, incluindo capacitação dos profissionais que usarão dispositivos e recursos próprios para acesso a recursos e dados da empresa.  Para profissionais, o registro das provas das atividades desenvolvidas, tempo, ordens, tratativas, acessos a sistemas, e demais detalhes demonstra-se indispensável para eventual e futura reclamação sobre os direitos.

José Antonio Milagre

Advogado especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, Sócio do José Milagre & Associados. Presidente de Instituto de Defesa do Cidadão na Internet – IDCIBrasil, Analista de Sistemas, Mestre e Doutor pela UNESP, DPO Exin, PECB Lead Implementer, e Diretor do PrivacyOffice, grupo de privacidade e proteção de dados da CyberExperts.

Emily Lucila de Oliveira

Consultora especializada em Privacidade e Proteção de Dados. Gerente de Direito Digital na José Milagre & Associados. Atuação em assessment e planos de adequação para empresas e órgãos públicos do Brasil, Vice-Diretora do IDCI – Instituto de Defesa do Cidadão na Internet, entidade focada na preservação dos direitos dos usuários de internet e titulares de dados pessoais.

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