Mudança auxiliará vítimas de golpes e crimes cibernéticos
O julgamento recente do STF, que declarou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet, marcou uma virada importante no combate aos crimes digitais e poucas pessoas estão falando sobre o que realmente muda para as vítimas.
Antes, a regra era clara (e favorável às plataformas): elas só podiam ser responsabilizadas judicialmente se, após uma ordem específica do Judiciário, deixassem de remover o conteúdo ilícito. Ou seja, mesmo diante de golpes, fraudes, pornografia de vingança, anúncios falsos ou deepfakes, as vítimas muitas vezes dependiam de uma morosa decisão judicial para conseguir qualquer ação efetiva.
Agora, com a nova interpretação do STF, esse cenário muda radicalmente. A vítima pode encaminhar uma notificação extrajudicial fundamentada, solicitando a remoção do conteúdo ilegal. Se a plataforma se omitir injustificadamente, poderá ser responsabilizada judicialmente, mesmo sem ordem judicial. As únicas exceções são para crimes contra a honra e conteúdos compartilhados em mensageiros privados, que ainda exigem intervenção judicial, e uma vez considerados ilícitos os conteúdos, novas postagens devem ser removidas pelas redes sociais
Isso significa que vítimas de crimes digitais finalmente têm um instrumento mais rápido e eficaz para se proteger, e que a atuação de advogados e peritos especializados em crimes cibernéticos se torna ainda mais estratégica e necessária.
As plataformas, por sua vez, passam a ter obrigações mais robustas como:
- Implementar sistemas efetivos de governança interna, com fluxos de análise de denúncias mais ágeis, estruturados e tecnicamente qualificados;
- Aprimorar seus algoritmos e mecanismos de detecção automática para identificar conteúdos de alta gravidade, sob pena de se configurar falha sistêmica; Entre esses conteúdos estão: atos de terrorismo; exploração sexual; discurso de ódio; golpes e fraudes financeiras
- Responder de forma fundamentada e tempestiva às notificações extrajudiciais recebidas, sob pena de responsabilidade civil objetiva e, em certos casos, implicações penais, sobretudo quando houver omissão deliberada diante de conteúdo manifestamente ilícito.
Por que isso é decisivo para as vítimas de golpes online?
A decisão do STF rompe com a dependência da lenta e muitas vezes inacessível via judicial, permitindo uma atuação extrajudicial mais ágil, estratégica e tecnicamente fundamentada. No entanto, essa atuação eficaz depende diretamente do apoio de advogados especializados em Direito Digital e Crimes Cibernéticos, capazes de redigir notificações robustas, com embasamento jurídico e provas técnicas adequadas.
Com essa mudança, não basta apenas denunciar, é preciso saber como denunciar. A responsabilização das plataformas agora exige uma construção técnica cuidadosa, que só pode ser feita com o acompanhamento de profissionais preparados para lidar com os desafios jurídicos e tecnológicos do ambiente digital.
Como advogado e perito em crimes digitais, vejo essa decisão do STF como um verdadeiro marco no reequilíbrio entre liberdade de expressão e responsabilidade no ambiente online. Ao contrário de muitos que a tratam como uma ameaça à liberdade, permito-me discordar, com fundamento técnico e jurídico e vivência na representação de vítimas de crimes cibernéticos há muito tempo.
A decisão reforça valores fundamentais: a necessidade de atuação rápida, a produção adequada de provas digitais e a formulação de notificações extrajudiciais bem embasadas, com o apoio de profissionais qualificados, de modo a minimizar danos às vítimas.
Não se trata de censura. Trata-se de responsabilidade. De exigir das plataformas o mínimo de diligência diante de conteúdos manifestamente ilícitos e de garantir às vítimas um caminho real e eficaz para proteção de seus direitos.
José Milagre, Phd. Diretor de Perícia Digital e Resposta a Incidentes da CyberExperts. Advogado e Perito Especialista em Direito Digital, Proteção de Dados e Crimes Cibernéticos. Autor de dois livros pela Editora Saraiva. Certificações CIPM, CIPT, CDPO IAPP, DPO EXIN, ISO 27701 Lead Implementer PECB, Graduação em Análise de Sistemas, Pós Graduado em Gestão de Tecnologia da Informação. Mestre e Doutor em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista UNESP, Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB Barueri/SP, Instagram: @dr.josemilagre.
Livia Bativa, especialista em Direito Digital e Dados, membro do escritório José Milagre & Associados.