Às vésperas do pleito, inúmeros comitês, candidatos, coligações e militantes continuam com dúvidas relativas ao limite para propaganda eleitoral na Internet. Não temos dúvida que todo este celeuma se deve à incapacidade do Poder Legislativo Federal em regulamentar de forma adequada a propaganda digital.
Para o pleito de 2016, a Resolução 23.457/2015 era clara ao dispor que:
Art. 4º É vedada, desde quarenta e oito horas antes até vinte e quatro horas depois da eleição, a veiculação de qualquer propaganda política no rádio ou na televisão – incluídos, entre outros, as rádios comunitárias e os canais de televisão que operam em UHF, VHF e por assinatura – e ainda a realização de comícios ou reuniões públicas (Código Eleitoral, art. 240, parágrafo único).
Parágrafo único. A vedação constante no caput não se aplica à propaganda eleitoral veiculada gratuitamente na Internet, em sítio eleitoral, em blog, em sítio interativo ou social, ou em outros meios eletrônicos de comunicação do candidato, ou no sítio do partido ou da coligação, nas formas previstas no art. 57-B da Lei nº 9.504/1997
Como se verificava, o parágrafo único excetuava a propaganda na internet, que poderia ser feita até mesmo no dia da eleição.
Lamentavelmente, a Resolução 23.551/2017 não reeditou o referido parágrafo:
Art. 5º É vedada, desde 48 (quarenta e oito) horas antes até 24 (vinte e quatro) horas depois da eleição, a veiculação de qualquer propaganda política no rádio ou na televisão – incluídos, entre outros, as rádios comunitárias e os canais de televisão que operam em UHF, VHF e por assinatura – e ainda a realização de comícios ou reuniões públicas (Código Eleitoral, art. 240, parágrafo único).
Não bastasse, editou-se na Resolução o artigo 81, que assim estabelece:
Art. 81. Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) a R$ 15.961,50 (quinze mil, novecentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos) (Lei nº 9.504/1997, art. 39, § 5º, incisos I a IV):
I – o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata;
II – a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;
III – a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos;
IV – a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de internet de que trata o art. 57-B da Lei nº 9.504/1997, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos publicados anteriormente.
- 1º O disposto no inciso III não inclui a manutenção da propaganda que tenha sido divulgada na internet antes do dia da eleição.
- 2º As circunstâncias relativas ao derrame de material impresso de propaganda no dia da eleição ou na véspera, previstas no § 7º do art. 14, poderão ser apuradas para efeito do estabelecimento da culpabilidade dos envolvidos diante do crime de que trata o inciso III deste artigo.
A disposição repete o disposto no parágrafo 5º., inciso IV do Art. 39 da Lei 9504/1997, inserido pela Lei 13.488/2017.
Diante desse cenário, inúmeras foram as interpretações sobre o que seria permitido ou proibido no dia da eleição e quem estaria obrigado a cumprir a referida determinação. O Cidadão estaria censurado?
O artigo 57-B é claro em prever que a propaganda eleitoral pode ser feita por candidato partido ou coligação, ou até mesmo qualquer pessoa natural. Por outro lado, resistimos a acreditar na hipótese de que o cidadão não possa “compartilhar” em comunicador privado, como Whatsapp, a seus contatos, suas preferências, imagens ou mesmo o número do seu candidato, ou mesmo dialogar sobre preferências e em quem votar.
A Legislação é clara no seus verbos “publicar” ou “impulsionar”, o que estaria relacionado a postagens em redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram, a um número indeterminado de pessoas.
Igualmente, cidadão que compartilha conteúdo publicado antes das 00h00min do domingo, não estaria em tese violando o tipo trazido na Resolução, eis não ter “publicado”, mas compartilhado?
Em nossa visão, a restrição não atinge aquele que, no seu direito de liberdade de expressão, manifesta sua preferência por um ou outro candidato, sem utilizar conteúdo nitidamente propagandístico, emitindo simplesmente sua manifestação pessoal. A restrição se dá à propaganda eleitoral. Propaganda é pedido de voto expresso.
Ainda, beira ao delírio que Ministério Público denuncie um cidadão que, não usando serviços de WhatsApp marketing ou canais para envios em massa, envia a seus contatos suas preferências ou mesmo arte de seu candidato, em chat privado com determinadas pessoas.
Com efeito, em que pese seja a nós coerente que a vedação do art. 81 seja aplicada às redes oficiais de candidatos, partidos ou coligações, ainda que apliquemos à qualquer cidadão, o que entendemos um retrocesso e um ataque à liberdade de expressão, nosso entendimento é que as condutas vedadas seriam a “publicação” ou “impulsionamento”, não envolvendo neste âmbito aquele que encaminha a seus contatos sua preferência ou sugestão de candidato. Quantos milhares estão, neste momento, falando sobre suas preferências, em chats de comunicadores?
No entanto, até que o Legislador e o TSE corrijam esta aberração, todo o cuidado é pouco, e observaremos pela primeira vez quais serão as posturas de Autoridades e Judiciário à respeito da norma deficiente. O risco de processos e aplicação de multas, diante da péssima redação da Lei, é mais que existente.
Leia mais sobre a dúvida em: https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2018/10/o-que-o-eleitor-pode-fazer-na-internet-no-dia-da-eleicao.html
José Antonio Milagre, advogado especialista em Direito Digital, Mestre e Doutorando pela UNESP, Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP Regional da Lapa. www.direitodigital.adv.br