Lei dos Mercados Digitais e PL das Fakenews: O que é e quais os impactos no Brasil?

O que é?

A Lei de Mercados Digitais (Digital MarketsAct) é considerada um dos principais regulamentos do mercado digital já existentes. A regulamentação pretende impedir práticas anticoncorrenciais de grandes players da Internet (como Google, Apple, Meta, Instagram, Amazon e Microsoft) e devolve aos usuários o direito de escolha sobre quais serviços pretendem usar. Vem estabelecer novas regras para a economia digital e sendo considerada a regulamentação econômica mais importante das últimas décadas.

A quem se aplica?

O regulamento abrangerá provedores de plataformas que satisfaçam critérios, como mais de 45 milhões de usuários mensais na UE e receitas pelo menos 7,5 bilhões de euros ou, alternativamente, valor de mercado de pelo menos 75 bilhões de euros.

Qual o estado da regulamentação?

Parlamento Europeu, Conselho da União Europeia e Comissão Europeia, os três poderes, chegaram a um acordo sobre o texto, sendo que o mesmo passará por uma revisão de juristas e pode ser aprovado muito em breve pelo parlamento e conselho. É questão de tempo para que se torne uma realidade aplicável na Europa.

Quais as principais mudanças e pontos?

A norma está prevista para entrar em vigor em janeiro de 2023 e sem dúvida é um grande marco de regulamentação tecnológica em todo o mundo. Segundo os legisladores, o texto põe fim da dominação cada vez maior das grandes empresas de tecnologia. Dentre os principais pontos temos trazidos, estão:

  • As pessoas poderão escolher outras lojas de apps e repositórios e não somente a loja da plataforma ou sistema operacional. Hoje, a exemplo, em sistemas Apple só está disponível a App Store;
  • Proibição das plataformas em favorecerem produtos, serviços ou aplicativos próprios;
  • Regras para proibir programas pré-instalados nos computadores e celulares, como browsers e apps de músicas;
  • Necessidade de consentimento para uso de dados gerados em serviços online;
  • Interoperabilidade entre plataformas de mensagens, sendo que as grandes empresas deverão fornecer acesso a outras aplicações. Ex: Um usuário de um pequeno serviço de mensageria privada pode enviar mensagem para alguém no WhatsApp;
  • A fixação do controle da Comissão Europeia sobre operação de compras de gigantes, de modo a impedir aquisições que minem a concorrência;
  • Os gigantes não podem usar dados gerados nos seus sites para seus clientes empresariais;
  • Proíbeos softwares pré-instalados em computadores e telefones ou buscadores privilegiarem serviços próprios de mapas, negócios, marketplaces;
  • Proibição de plataformas de aplicativos só aceitarem aplicativos que utilizem o meio de pagamento oferecido pela plataforma.

 

Importante destacar que na Europa, alguns dispositivos já possibilitam ao usuário escolher qual navegador ou mecanismo de busca instalar. Ainda que poucos usuários migrem do Google para outro buscador, é fato que esse número pequeno de usuários pode significar muito para os pequenos negócios.

Quais as penalidades?

A norma prevê penalidades que podem ir de 10% das vendas mundiais a até 20%, caso ocorra reincidência.

O que muda para o usuário e para empresas menores?

Para o usuário, a norma assegura livre escolha de lojas, serviços e aplicações, além da interoperabilidade. Para a concorrência e pequenas empresas, a norma certamente irá estimular inovação, ao contrário das “preocupações” alardeadas pelos gigantes, acusados de propagar fake news sobre o regulamento. Não há dúvidas que a norma pode estimular a geração de novos modelos de negócios.

O usuário terá mais liberdade na utilização de tecnologias e maior controle sobre seus dados. Hoje, inconscientemente somos “direcionados” no uso de aplicações ligadas às plataformas, que dificultam a diversidade em seus sistemas operacionais e plataformas. Estas aplicações têm poder de influenciar com informações e códigos nossas escolhas.

A exemplo,um usuário pode ter dificuldade de usar uma aplicação de mapas em uma plataforma, pois esta só permite o uso da sua aplicação ou dificulta o uso de aplicações diversas. As empresas menores terão mais condições de participar e concorrer. Alguns assistentes virtuais não permitem que se vejam vídeos em outros players que não os do fabricante.Destaque-se, por exemplo, que o Google já foi acusado por menores de privilegiar seus serviços nas buscas. A Amazon também, por destacar serviços da marca em detrimento de outros. A norma visa reduzir tais manobras.

Por que a Europa se mostrou interessada em estabelecer regras?

O escopo é que as donas de plataformas não criem ou tenham um comportamento discriminatório e lutar contra os abusos das grandes plataformas. A regulamentação também deve-se à frustração causada por investigações antitruste movidas contra algumas Bigtechs, investigações lentas e que, ao olhar de concorrentes, não apresentava punições adequadas nem solucionava o problema.

Os legisladores entendem que o crescimento de plataformas dominantes representa uma ameaça para mercados abertos e livre concorrência, podendo impactar em startups, empresas, inovação e competição no mundo.

A norma pode influenciar no Brasil ou outros países?

Embora se aplique apenas à Europa, não há dúvidas que o texto pode criar precedente para legislações semelhantes em outras partes do mundo. As Bigtechs já sofrem e encontram reação por práticas anticompetitivas também nos Estados Unidos, no que tange a privilegiar seus próprios negócios. Lá está tramitando o  American Innovation and Choice Online Act (projeto de lei de Inovação Americana e Escolha Online, em tradução livre), sendo que o Departamento de Justiça já sinalizou favoravelmente ao mesmo.

 

No Brasil, o PL 2630 (Chamado PL das Fakenews – Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet,) também tem causando polêmica, pois, inicialmente proposto com foco em regras sobre o combate a desinformações, está tratando de assuntos econômicos, como a própria publicidade na internet.

Recentemente o Google mandou e-mail para todos os anunciantes do Brasil dizendo que o PL poderia prejudicar os negócios. O gigante alega que o projeto brasileiro pode limitar a capacidade das empresas brasileiras de usarem a internet para alavancar seus negócios e que os serviços podem ser menos úteis e seguros.  Segundo o Google em seu e-mail, “Isso porque o projeto de lei impede as plataformas de publicidade de usar informações coletadas com o consentimento dos usuários para conectar empresas com potenciais consumidores”. Outras associações no Brasil, como ABERT, por exemplo, entendem em sentido contrário. Recentemente, o polêmico artigo 7º. que gerou o e-mail do Google foi modificado no projeto, abrindo caminho, novamente, para a publicidade direcionada.

Há inclusive, pressão para que os Marketplaces sejam contemplados no PL, considerando seu poder de influenciar e “esconder comerciantes” em benefício de outros. A exemplo, os aplicativos de pedidos online, que podem intervir na decisão do consumidor, distorcendo a concorrência.

O PL 2630 já foi aprovado no Senado e a versão final foi entregue à Câmara dos Deputados, com novas alterações, dentre elas, que provedores de busca e serviços constituam empresa no Brasil e que possam cumprir determinações judiciais. O projeto pode ser votado a qualquer momento e se aprovado, volta para o Senado.

Riscos à segurança?

É evidente que as Bigtechs não digerem leis desta natureza e farão de tudo para impedi-las. As bigtechs comumente se opõem a estas propostas pois dizem que podem dificultar a oferta de serviços.

Para algumas gigantes, há sérias preocupações, como por exemplo, a criação de possíveis vulnerabilidades de segurança. Argumentam que a interoperabilidade pode colocar em risco usuários.  Outras, falam que os regulamentos enfraquecerão a propriedade intelectual. Se não estão totalmente sem razão, é fato que os alardes são desproporcionais, ante os evidentes benefícios para usuários.

Seja como for, é questão de tempo para que as novas regras passem a valer na Europa, o que pode influenciar regulamentos no mundo, incluindo no Brasil.