Aspectos Jurídicos do uso da infraestrutura BlockChain para negócios disruptivos

O Blockchain é a infraestrutura que permite que as moedas virtuais, bitcoins, existam. Esta infraestrutura possibilita uma série de inovações. O Blockchain, também chamado de cadeia de blocos, é um banco de dados que é distribuído e que registra as transações em moeda virtual, bitcoin, em redes P-2-P. De forma grosseira, pode-se dizer que o blockchain seria o “banco” que registra os pagamentos e transações feitas em criptomoedas. A grade diferença é que este “banco” não é uma autoridade centralizada. A base é distribuída em vários computadores pelo mundo.

Ou seja, é possível pagar, receber e trocar sem intermediários. Também não é cabível uma quebra de sigilo das transações (a principio) o que mantém governos e autoridades tributárias longe deste contexto, embora hoje já se fale em computação forense e investigação digital em blockchain, como no paper “A Forensic Look at Bitcoin Cryptocurrency”, de Michael Doran (Sans.org)

O que seria em principio utilizado para registrar transações de moedas virtuais, ou seja, toda a infraestrutura, vem sendo utilizada em diversas aplicações inovadoras, dentre elas, a autenticação de documentos, criações intelectuais, contratos e o registro de fatos na rede social, em substituição a velha “ata notarial” realizada por cartórios. Para contratos, há a necessidade de concordância das partes envolvidas, que submeteriam um documento assinado digitalmente e o hash (código criptográfico) da transação seria armazenado no BlockChain.

Em síntese, negócios disruptivos estão valendo-se da assinatura e certificado digital em uma rede para autenticar documentos e provar a validade dos mesmos. Embora não existam julgados, pode-se considerar tais avenças assinadas como prova adicional ou complementar e de forte robustez.

Por outro lado, na questão autoral, embora se possa registrar o ineditismo de criações intelectuais, o que de certo modo pode ser útil para demonstrar a anterioridade do uso, autoria de uma ideia (embora esta não seja protegida), modelo ou originalidade de uma criação, não se dispensa ainda o registro em meios oficiais, sendo considerado o registro no Blockchain uma prova válida diante de ausência de registros oficiais de propriedade intelectual ou autoral.

Deste modo, com o Blockchain é possível criar uma infraestrutura de certificação digital, gerando par de chaves que podem ser usadas para garantir a integridade, autenticidade e não repudio de manifestações e contratos. Usuários podem consultar o código da transação no site oficial do blockchain e checar dados de data e hora, sendo que a existência da transação no Blockchain prova que o documento existiu.

De se destacar que tanto o blockchain quanto a certificação digital usam chave privada para assinar as transações. Blockchain usa a tecnologia de certificação digital, embora blockchain não seja, a princípio, reconhecido no Brasil pela MP 2200/2001, que dá valor a cadeia de certificação da Infraestrutura de Chaves Públicas.

Em síntese, a capacidade de armazenar e carimbar data e hora em todos os tipos de dados, registrando transações e códigos gerados a partir da leitura da estrutura de documentos proporcionará a criação de inúmeras aplicações no campo legal e jurídico, e que irão abalar conceitos e estruturas já consolidadas, como a dos cartórios e registradores, por exemplo.

A dificuldade de fraudar estes registros públicos da estrutura blockchain, aumentando a segurança da informação, também são fatores que fomentarão novos negócios baseados na infra, o que demandará a adaptação de empresas seculares a este novo modelo, sob pena de desaparecerem. Algumas aplicações que rodam sobre BlockChain podem ser vistas em Bitcoins News

Como visto, a infraestrutura servirá para negócios oportunistas envolvendo cadeia de suprimentos, registros públicos, jurídicos e até mesmo relativos a propriedade intelectual, dentre outros, que deverão abalar modelos seculares estabelecidos e que se seguram graças a leis velhas e ultrapassadas. Pode-se conjeturar em um futuro próximo profundas inovações na seara notarial, registro de imóveis e até mesmo em áreas públicas como licitações e sistema eleitoral.

No processo eletrônico, algumas aplicações surgem para garantir que um documento ou petição fora protocolado, como uma “testemunha eletrônica”, nos casos de recusa de recebimento pelo Tribunal ou Vara. O mesmo vem acontecendo no aspecto tributário, onde aplicações garantirão as empresas autuadas pelo fisco que estas remeteram suas declarações e notas, com registros públicos das transações no blockchain, uma prova técnica e válida, considerando que hoje estas são vitimas do ônus de ter de provar que cumpriram as obrigações por meio da tecnologia imposta. Enfim, isto é só uma faísca do que está por vir com o uso da infraestrutura Blockchain, nas mais diversas áreas, nos mais diversos negócios.

Neste cenário, por fim, vale recordar as ideias de Dom Tapscott sobre o tema.

“Na década de 1990, os gerentes mais inteligentes trabalharam duro para entender a internet e como ela afetaria seus negócios. Hoje, a tecnologia de blockchain está inaugurando a segunda geração da rede mundial, e se as empresas não quiserem ficar para trás, terão de fugir do dilema do inovador e romper com aquilo que está estabelecido”.

José Antonio Milagre, advogado e perito especializado em direito digital, vice-presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP Regional da Lapa, sócio das Lawtechs 2Adv e Legaltech, Mestre em Ciência da Informação pela UNESP e árbitro da Câmara Internacional de Arbitragem e Mediação em Tecnologia da Informação, E-commerce e Comunicação (CIAMTEC.br) Direito Digital

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