Entenda o que é o assinador Shodô do PJe, novo e-SAJ e o que mudará no peticionamento eletrônico brasileiro.

José Antonio Milagre – 14/02/2017

ARTIGO2

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os militantes da Justiça do trabalho estão se deparando recentemente com avisos sobre uma nova forma de assinar documentos no PJe, de nome “Shodô” (“a arte da caligrafia”, em japonês). Mas afinal, o que é este aplicativo e no que ele é diferenciado?

O Shodô é uma aplicativo de assinatura para Justiça do Trabalho que nasceu considerando a descontinuidade e necessidade de substituir a tecnologia mais antiga usada para assinatura digital, denominada Applet. Os Applets fazem a interface do usuário para a digitação do PIN e reconhecimento do certificado digital.

Ocorre que, no caso específico, os navegadores estão descontinuando (alguns já descontinuaram) o suporte a Applets e o que restava ao usuário era a troca de navegador. Um exemplo é o Firefox que só pode ser usado no PJe, para quem usa assinador com base no Java, até a versão 41. Ou seja, advogados tinham que ficar desatualizando seus sistemas ou baixar o navegador PJe feito pelo CNJ em http://www.pje.jus.br/wiki/index.php/Navegador_PJe.

A diferença é que ao contrario da validação do certificado em Java ou Applet, a validação agora passa a ser feita por aplicativo desenvolvido pelo próprio Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

O aplicativo pode validar documentos por exemplo, com o PJeOffice, desenvolvido pelo CNJ (disponível na tela de login do PJe). Com o Shodô, espera-se que o usuário possa voltar a usar navegadores até então considerados incompatíveis e até mesmo versões mais novas de navegadores como Firefox, que muitas vezes, se atualizados, tornavam o peticionamento inviável. É possível assinar documentos pelo Shodô diretamente ou pelo PJe Office.

A expectativa é que em 2017 grande parte do PJe migre para nova versão, 1.14. Uma das novidades previstas para o Shodô, é a possibilidade, na versão 15, de uso de certificados modelo A1, ou seja, arquivos de computador que não precisam ser gravados em token ou carteira criptográfica. Hoje a plataforma 2adv (http://trend2adv.com.br/) já permite esta funcionalidade.

O que é interessante é que embora venha para substituir o Applet, o fato é que é necessário o Java para instalar o executável Shodô no computador do Advogado, o que fez com que muitos colegas indagassem se não está-se trocando seis por meia dúzia.

Nesta esteira, sabe-se também quem na Justiça Estadual, alguns sistemas já caminham para substituição de autenticadores de assinatura baseados em Java para aplicações plug-ins próprios, como é o caso do e-SAJ (Usado em vários Estados), cuja empresa anunciou em alguns Estados o Web Signer (anunciado no TJ/SC http://www.sajdigital.com.br/saj-na-midia/web-signer-do-portal-e-saj/) e que permite ressuscitar até mesmo a utilização do Internet Explorer, do mesmo modo, substituindo a leitura de tokens feita em Java, permitindo qualquer versão de outros navegadores. A modificação vem recebendo o nome de “novo e-saj”. Embora a Softplan informe que se trata de um “plug-ins nativo” dos navegadores, não é o que parece das pesquisas que realizamos.

Em São Paulo, a possível mudança chamou a atenção da Comissão de Informática da OAB/SP, que de forma proativa já se manifestou no sentido de requerer um prazo mais confortável para os Advogados. Sob o prisma da segurança, não há duvidas que as medidas de certo modo permitem que Advogados voltem a atualizar seus aplicativos, consequentemente mantendo-se com paths de segurança ativados. Já quanto à segurança das novas aplicações, caberá análises mais aprofundadas.

Se haverá melhorias em termos de funcionalidades, agilidade, acessibilidade e redução de falhas, só o tempo, ou melhor, a Advocacia, é que poderá dizer. Por hora, cabe a nós nos preparar mas para as mudanças anunciadas.

Referências

Saiba mais sobre a configuração do Shodô para PJe, acessando http://www.trt15.jus.br/programas/pdf/PJE15-ConfiguracaoAssinadorShodo.pdf

Assista um vídeo sobre o Shodô feito pelo CSJT em:
https://www.youtube.com/watch?v=nc7v09RP6cU

Acesse: Facebook.com/professormilagre 

José Antonio Milagre é Advogado, Mestre e Doutorando em Ciencia da Informação pela UNESP, MBA em Tecnologia da Informação e Presidente da Comissão de Direito Digital e Processo Eletrônico da OAB/SP Regional da Lapa.




Os riscos dos boatos e falsas notícias nas redes sociais e o Judiciário

A Internet é sem dúvida alguma o ambiente mais fantástico criado pelo homem. Palco de interação, educação, negócios, considerada condição e princípio necessário ao desenvolvimento da sociedade. Fantástica fonte inesgotável de informação. Sua arquitetura possibilitou a todos a possibilidade de serem conteudistas, de falarem, de publicarem, postarem e também de noticiarem.
A questão se agrava quando aqueles que se informam não tem compromisso com a realidade. Vivenciamos a onde dos “hoaxes” ou boatos. Desinformações que se proliferam na velocidade dos compartilhamentos e que são capazes de influenciar e conduzir pessoas a ações infundadas, prejudiciais ou perigosas. Milhares de usuários desatentos, acabam por contribuir para a proliferação da ofensa.
Identificar um boato não é uma tarefa simples, mas basicamente é necessário atenção para a fonte da notícia, checar e comparar com outras fontes confiáveis, avaliar comentários sobre a postagem ou mesmo avaliar outros elementos, como conteúdo apelativo, dentre outros. Notícias importantes são em regra noticiadas pela imprensa e não por correntes. Lamentavelmente poucos tem a consciência  dos danos que podem ser causados quando uma mentira é levada adiante, com um compartilhamento ou encaminhamento.
No Brasil, já tivemos casos que culminaram com morte de pessoas, graças a boatos que se iniciaram na Internet. Um boato pode difamar, caluniar, denegrir ou prejudicam a imagem de alguém, ofendendo a sua honra. Um boato pode comprometer a reputação de empresas que fechará suas portas. Um boato pode passar orientações incorretas e causar danos às pessoas, como por exemplo dicas de saúde sem comprovação científica. Um boato pode causar terror, pânico ou alarma na população, causando danos irreparáveis.
Neste contexto inúmeros processo movimentam o Judiciário envolvendo crimes e reparações cíveis decorrentes de boatos que se iniciaram nas redes sociais. Aquele que provoca falso alarme por meio de boatos em redes sociais pode responder por uma contravenção penal, apenada com prisão simples, sem prejuízo de outros crimes que decorrerem da conduta.
E como podemos minimizar a onda de boatos? Inicialmente, jamais presumindo ou deduzindo um fato sem ter a comprovação de sua ocorrência. Segundo, devemos ter consciência do dano que causamos ao apertarmos o botão compartilhar ou passamos a frente uma inverdade na internet. Devemos sempre ter a consciência de não levar adiante o que não é confirmado e principalmente, avaliar se aquele conteúdo, se compartilhado, poderá ou não causar transtornos a alguém.
Precisamos conscientizar os jovens para que façam também esta análise, sempre! Agindo assim, reduziremos o alcance das desinformações em redes sociais e principalmente, nos manteremos longe de causar danos a terceiros e  livres de processos judiciais por “espelhar” fatos inexistentes ou ofensivos.
José Antonio Milagre é advogado especialista em Direito Digital, Mestre em Ciência da Informação pela UNESP, Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP Regional Lapa e autor do livro “Manual de Crimes Informáticos”, 2016, pela Editora Saraiva. www.facebook.com/professormilagre



Ataques e técnicas para ofensas anônimas via WhatsApp e a Justiça Brasileira

A Justiça brasileira enfrenta há um bom tempo a questão da recusa do Facebook em fornecer registros de acesso à aplicação relativos ao comunicador WhatsApp em casos de crimes e ameaças. Tais registros, que não se confundem com comunicações privadas, se limitam a indicar data, hora, IP e fuso-horário relativo a acesso ao comunicador ou a postagens específicas a partir de um ID registrado no aplicativo, no caso, o número telefônico.

 

O provedor de aplicações alega que, diante de um ataque ou crime no aplicativo, basta a vítima indicar o número telefônico de origem do ataque, buscando os dados cadastrais do responsável junto a operadora diretamente. Grande equívoco, por diversos motivos, dentre os quais, a possibilidade de uso de um chip fraudado, onde os IPs poderiam indicar uma conexão wi-fi de localidade distinta do então CPF responsável pelo CHIP. Outros motivos pelos quais o fornecimento dos registros de acesso a aplicação pelo WhatsApp são essenciais são tratados no documento http://josemilagre.com.br/blog/pareceres/parecer-sobre-o-fornecimento-de-registros-de-acesso-a-aplicacao-pelo-whatsapp/

 

Mas o principal motivo para o fornecimento é o legal. O Marco Civil estabelece claramente o dever os provedores de aplicações em registrarem os registros de acesso, custodiando-os por 6 (seis) meses, conforme art. 15 da Lei 12.965/2014. Ocorre que, a despeito dos motivos, a insistência persiste por parte da responsável pelo App, o que já gerou, como sabido, medidas extremas e que impactaram nos usuários, como a suspensão temporária do aplicativo em todo o Brasil. As medidas são logo reformadas pela própria Justiça, considerando que interferem em milhões de pessoas. São mais de 100 milhões de usuários no Brasil.

 

Por outro lado, os mandos e desmandos do Judiciário em relação ao App acabam por repercutir de modo mais temido e muitas vezes impensado: A confiança de muitos mal-intencionados, que agora se sentem seguros em usar o aplicativo como plataforma de ataques, agressões, ofensas, tudo, na percepção de anonimato que resiste até mesmo às ordens judiciais.

 

Chega o período eleitoral e a plataforma vem se transformando no antro da difamação e da propaganda negativa em face de candidatos, partidos e coligações. Encorajados, militantes maliciosos encaminham a grupos e listas de transmissão montagens, trucagens, calúnias, ofensas, vídeos e áudios, na certeza de que estão em um ambiente protegido. Na Justiça, o responsável pelo App continua a insistir: “Basta descobrir qual a operadora do número telefônico identificado na ofensa e diretamente pedir dados a ela”. Como veremos, não é bem assim.

 

Aplicativos como parallel space permitem duplicar e ter dois WhatsApps  no mesmo celular. Tecnologias de envio de mensagens em massa usando Short-codes, por exemplo, denominação dada a um número geralmente de 5 dígitos, utilizado para comunicação de mensagens SMS, tanto para o envio quanto para o recebimento das mesmas, não permite que vítimas descubram qual a operadora ou prestadora responsável pelo código. A vítima recebe a ofensa, e quando busca um número telefônico, encontra um código, não associado a nada nem ninguém.

 

Inúmeros manuais na rede e deep web ensinam desde montar chipeiras, utilizar serviços para receber códigos via SMS anônimos, clonar um Whatsapp legitimo em questão de minutos a mesmo usar um WhatsApp fake, incluindo, mas não se limitando a fake de GPS, impedindo que a real localização do remetente seja descoberta.

 

Outras tecnologias ainda como Bulk WhatsApp Messengers permitem o envio de milhares de mensagens e massa a números desconhecidos, com ferramentas ainda que permitem garimpar estes números destinatários na web, permitindo ampla difamação em massa em questão de minutos, burlando inclusive os mecanismos de segurança da aplicação. Quando a aplicação detecta e bloqueia os envios já é tarde e muitos já receberam o conteúdo ilícito.

 

Ainda, ofensores anônimos usam serviços de canais, que são números internacionais para se cadastrarem no WhatsApp e enviarem mensagens. Os canais são descartáveis, não regulamentados pela ANATEL (Aliás, nem o SMS é regulamentado) sendo utilizados por pouco tempo e logo que o Aplicativo bloqueia, são abandonados, porém já serviram à finalidade criminosa. Quando a vítima busca a operadora responsável, descobre se tratar de operadora no exterior.

 

Outras técnicas que identificamos ainda é a utilização de números virtuais, que usam codificação internacional, também descartáveis, e que permitem o cadastro no aplicativo. A partir dos números, o criminoso pode espalhar ofensas e inverdades, ciente de que o provedor do número virtual não registra informações sobre o proprietário da conta. Todas estas técnicas podem ainda ser combinadas com um “simulador android”, onde não existirão rastros do equipamento celular (como loggins em estações radio-base), mas em verdade trata-se de um software que simula em um computador qualquer o funcionamento do sistema operacional de um terminal, computador este que pode operar com um proxy ou mesmo ser um servido cloud, em localidade incerta.

 

Estas são apenas algumas das técnicas que dificultam ainda mais ao ofendido apurar a autoria de desinformações, ofensas e propagandas negativas, razão pela qual, diante do crescente número de ofensas compartilhadas pelo aplicativo, que se intensificam em período eleitoral, dá-se por ainda mais necessário que a provedora de aplicações coopere com a Justiça, atendendo ordens judiciais emanadas neste sentido, fornecendo os registros os quais é obrigada a custodiar, por lei. Não temos dúvidas que o Spam das guerrilhas das mensagens piratas em massa crescerá cada vez mais, sobretudo em período eleitoral, prejudicando a muitos. Tememos, logicamente, por mais decisões radicais em face de provedores reticentes em cumprirem a Legislação Brasileira, que prejudiquem milhões de usuários. É preciso um meio-termo, urgentemente.

 

As vítimas, por fim, não devem recear, pois a Legislação, sobretudo eleitoral, assegura a vedação no anonimato na campanha e até mesmo a remoção de ofensas e propagandas negativas oriundas de anônimos.

 

José Antonio Milagre é advogado especialista em Direito Digital, Perito em Informática. Mestre em Ciência da Informação pela UNESP, Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP Regional Lapa e autor do livro “Manual de Crimes Informáticos”, 2016, pela Editora Saraiva. www.facebook.com/professormilagre




A propaganda subliminar antecipada na panfletagem, adesivo e a minirreforma eleitoral de 2016

Questão que se coloca atualmente, às vésperas das eleições, diz respeito à propaganda subliminar antecipada, ou seja, aquela em que embora não haja pedido de votos, gera desproporcionalidade por aludir ao futuro pleito e conter apelo eleitoral.

Nos TREs do Brasil, verificamos diversos julgados distintos a respeito do tema. A exemplo, citamos o simples adesivo com o nome de futuro candidato, colocado em carros “particulares” ou de terceiros.

Se não caracterizada o fim eleitoral, o entendimento é o de que se trata de mera “promoção pessoal” e não de propaganda antecipada.

Neste sentido:

 

TRE-AL – RECURSO ELEITORAL RE 57244 AL (TRE-AL)

Data de publicação: 26/07/2010

Ementa: ELEIÇÕES 2010. RECURSO ELEITORAL CONTRA DECISÃO PROFERIDA PELOS JUÍZES AUXILIARES. ADESIVOS EM VEÍCULOS AUTOMOTORES. NOME DE POSSÍVEL PRÉ-CANDIDATO. AUSÊNCIA DE APELO EXPLÍCITO OU IMPLÍCITO A CANDIDATURA, PEDIDO DE VOTOS OU APOIO ELEITORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. MERA PROMOÇÃO PESSOAL. RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO. 1. Não configura propaganda eleitoral antecipada ou extemporânea, mas mera promoção pessoal, a utilização de adesivos em veículos automotores com o simples nome de possível pré-candidato, desde que da imagem não se possa aferir possível candidatura, pedido de votos ou apoio eleitoral. Precedentes do TRE/AL e TSE. 2. Eventual abuso, excesso ou desvirtuamento no uso da promoção pessoal poderá ser apurada e punida na forma da Lei Complementar nº 64 /90, não passível de sanção nesta seara. 3. Recurso conhecido, mas desprovido.

 

TRE-GO – RECURSO ELEITORAL RE 3907 GO (TRE-GO)

Data de publicação: 16/12/2008
Ementa: RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. AFIXAÇÃO DE ADESIVOS COM O NOME DE SUPOSTO PRÉ-CANDIDATO EM VEÍCULOS PARTICULARES. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA NÃO CARACTERIZADA. 1. Não configura propaganda eleitoral antecipada a utilização de adesivos em automóveis particulares apenas com nome de suposto pré-candidato, sem qualquer menção aos elementos caracterizadores do apelo explícito ou implícito ao eleitor (eleição almejada, cargo pleiteado, ação política a ser desenvolvida ou méritos pessoais de pré-candidato), de modo a associar a mensagem à eventual candidatura. (Precedentes do TSE, Resolução TSE nº 21.039 – Consulta nº 704, julgada em 21/03/2002, Rel. Min. Fernando Neves e AgRgREspe nº 26.367/PI, publicado no DJ em 06/08/2008, Rel. Min. Felix Fischer, e, no TRE-GO, RE nº 3842, Relatora Elizabeth Maria da Silva, julgado em 25/09/2008). 2. Recurso conhecido e improvido.

 

Assim, ante a ausência de apelo implícito ou explicito à candidatura, não se fala em propaganda antecipada. Por outro lado, em sentido contrário, a própria Justiça Eleitoral já entendeu que se o adesivo contém não só o nome, mas o ano da eleição, já existiria um “apelo implícito” eleitoral, caracterizando a propaganda antecipada, vejamos:

 

TRE-RN – RECURSO NA REPRESENTAÇÃO RRP 7764 RN (TRE-RN)

Data de publicação: 06/06/2008
Ementa: RECURSO ELEITORAL – PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA – AFIXAÇÃO DE ADESIVOS EM AUTOMÓVEIS – VINCULAÇÃO DO NOME DE PRÉ-CANDIDATO AO ANO ELEITORAL – VIOLAÇÃO AO ART. 36 DA LEI 9.504 /97 – CONFIGURAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA – PROVIMENTO – APLICAÇÃO DE MULTA PROPORCIONAL AO ATO ILÍCITO. A afixação de adesivos contendo o nome de notório pré-candidato à reeleição acompanhado do ano do pleito eleitoral, em data anterior à prevista no art. 36 da Lei n.º 9.504/97, configura propaganda eleitoral antecipada, sujeitando o responsável às penalidades previstas no mencionado dispositivo legal. Aplica-se o princípio da proporcionalidade, de modo que a multa prevista no art. 36 , § 3º , da Lei das Eleições seja fixada em conformidade com a gravidade do ilícito praticado. Recurso provido.

 

Do mesmo modo foi o entendimento do TRE do Piauí, quando se deparou com adesivo contendo “slogan”, aquela frase que faz o “link” com um futuro candidato. Entendeu caracterizar propaganda antecipada, vejamos:

 

TRE-PI – REPRESENTACAO REP 19 PI (TRE-PI)

Data de publicação: 14/08/2008
Ementa: REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. CALENDÁRIO CONTENDO MENSAGEM, NOME E FOTOGRAFIA DE PRÉ-CANDIDATO A CARGO POLÍTICO. ADESIVOS CONTENDO SLOGAN. APLICAÇÃO DE SANÇÃO PECUNIÁRIA. RECURSO. PUBLICIDADE COM CUNHO ELEITORAL. DESEQUILÍBRIO NA DISPUTA DO CERTAME. IMPROVIMENTO. Como o desiderato da legislação eleitoral, especialmente do disposto no art. 36 da Lei n. 9.504 /97, é vedar a quebra de tratamento isonômico entre os candidatos a cargos eletivos, a divulgação de mensagem por meio de calendários e adesivos constitui, sim, propaganda eleitoral extemporânea bem como desequilibra a disputa eleitoral. Percebe-se a ocorrência de nítido cunho eleitoral, com menção, embora dissimulada, à pretensão do pré-candidato ao pleito que se avizinha, afastando-se sobremaneira da alegada promoção pessoal. Recurso improvido.

 

O mesmo foi o entendimento do TRE do Rio Grande do Norte, para adesivos contendo a caricatura do futuro candidato:

 

TRE-RN – RECURSO ELEITORAL REL 7678 RN (TRE-RN)

Data de publicação: 12/12/2012
Ementa: RECURSO ELEITORAL – REPRESENTAÇÃO – PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA – PROPAGANDA POLÍTICA – PROPAGANDA ELEITORAL – EXTEMPORÂNEA/ANTECIPADA – ADESIVO – PEDIDO DE APLICAÇÃO DE MULTA – CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO 1. Configura propaganda eleitoral extemporânea qualquer manifestação que, previamente aos três meses anteriores ao pleito e fora das exceções previstas no artigo 36-A da Lei nº 9.504 /97, leve ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura; 2. A propaganda eleitoral antecipada pode ficar configurada não apenas em face de eventual pedido de votos ou de exposição de plataforma ou aptidão política, mas também ser inferida por meio de circunstâncias subliminares, aferíveis em cada caso concreto; 3. Adesivos afixados em veículos, nos quais constam a caricatura da recorrente, o nome do município no qual é pré-candidata ao cargo de prefeita (Serra Caiada) e a indicação do ano (2012), possuem claramente conotação eleitoral, caracterizando-se, portanto, a prática de propaganda eleitoral antecipada, sendo necessária a imposição da multa, como sanção pecuniária, em obediência ao disposto no art. 36, § 3º, da referida lei; 4 . A aplicação de multa acima do mínimo legal se deu de forma motivada, sendo fruto da reiteração de conduta por propagação de propaganda eleitoral em período vedado por lei; 5 . Desprovimento do recurso.

 

Assim, para avaliação da propaganda extemporânea, avalia-se a “conotação” eleitoral dos atos de pré-campanha, seja na distribuição de folhetos e utilização de adesivos em carros particulares. Ou seja, avalia-se se existe ou não uma forma dissimulada de se transmitir mensagem eleitoral.

No que diz respeito a panfletos em época pré-eleitoral, a Justiça Eleitoral também já entendeu, ser considerada propaganda extemporânea, vejamos:

 

“Propaganda antecipada. Distribuição de panfletos. Incidência do art. 37 da Lei nº 9.504/97. Preliminares de incompetência do juiz e cerceamento de defesa rejeitadas. Configuração de propaganda eleitoral, mesmo quando realizada em período anterior ao registro dos candidatos. Recurso não conhecido.” NE: “Pelos trechos dos panfletos registrados pelo Tribunal Regional, verifica-se claramente o pedido de apoio para os ‘próximos 4 anos’, configurada, pois a propaganda eleitoral antecipada.”(Ac. nº 19.376, de 21.8.2001, rel. Min. Fernando Neves.)

 

Igualmente, nesta época, é muito comum que pré-candidatos distribuam “questionários” a eleitores para “conhecerem suas necessidades locais”. A Justiça já entendeu que se deve analisar o teor do questionário, avaliando se é realmente para fins de pesquisa ou se nitidamente com fins de cientificar eleitores sobre futura candidatura, vejamos:

 

TRE-PA – Recurso Eleitoral RE 4503 PA (TRE-PA)

Data de publicação: 17/09/2010
Ementa: RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. DISTRIBUIÇÃO DE PANFLETOS E QUESTIONÁRIOS. APLICAÇÃO DE MULTA INDIVIDUALIZADA. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO. Ainda que ausente pedido expresso de voto, um breve passar de olhos pelo folder e questionários juntados aos autos revela documentos irrestritamente destinados a atingir todo e qualquer eleitor, sem restringir-se aos filiados da agremiação recorrente, além de levar ao conhecimento do eleitorado uma futura candidatura do Sr. Valdemar Pereira Dias, demonstrando, a mais não poder, as inegáveis finalidades político-eleitorais. A aplicação de multa de forma individualizada em nada fere a legislação eleitoral, representando, em verdade, medida salutar conforme preceitua a tranquila jurisprudência do e. TSE. Recurso conhecido, e improvido.

 

No entanto, com o advento da Lei 13.165/2015 (minirreforma eleitoral) temos pelo art. 36-A alguns permissivos em fase de pré-campanha. A legislação ainda informa que:

 

“Art. 36-A.  Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

2o Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver.

 

Muita confusão existe sobre as formas pelas quais pré-candidatos podem praticar os atos permitidos de pré-campanha, o que gera abusos e propaganda extemporânea.

É preciso esclarecer, conquanto esteja liberado o anúncio de pré-candidatura e o pedido de apoio político, que a legislação é omissa quanto à confecção e distribuição de impressos contendo estes conteúdos e, neste sentido, diante da recente legislação, cada caso deverá ser analisado pela Justiça Eleitoral, onde serão avaliados, para fins de caracterização da propaganda antecipada, a análise de elementos como potencialidade de influir no pleito, propaganda dissimulada ou apelo eleitoral implícito.

Assim, fica claro que a minirreforma eleitoral não exterminou completamente a propaganda implícita antecipada ou subliminar. Todo o cuidado é pouco.

No entanto, grande parte da doutrina entende que para a que a publicidade eleitoral seja considerada antecipada, via de regra, é necessária a conjugação de determinados requisitos, tais como menção à eleição, ao nome do candidato, ao pedido de voto, ainda que subliminarmente, e ao cargo pretendido, com sua veiculação antes do período permitido na legislação de regência.

Destaca-se por fim a inclinação na doutrina no sentido de que as ações de pré-candidatura agora permitidas devem se dar de forma espontânea e sem custo para o pré-candidato, o que em tese liberaria a internet para anúncios e banners de pré-candidatura e apoio político. Por outro lado, adesivos, impressos e panfletos podem caracterizar alto risco.

Assim, a recomendação é que os pré-candidatos façam uma revisão de conformidade para cada ato de pré-campanha, sobretudo diante das novas regras das reformas eleitorais, analisando os riscos das ações e o entendimento atual da Justiça Eleitoral, evitando-se, com isso, eventual multa por propaganda antecipada e até mesmo uma caracterização de abuso de poder, com cassação de registro ou diploma.

 

Escrito por José Milagre

 

José Antonio Milagre é advogado especialista em Direito Digital, Perito em Informática. Mestre em Ciência da Informação pela UNESP, Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP Regional Lapa e autor do livro “Manual de Crimes Informáticos”, 2016, pela Editora Saraiva. www.facebook.com/professormilagre

 




Questões de destaque no relatório final da CPI dos Crimes Cibernéticos

Em 04 de maio de 2016 o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Crimes Cibernéticos foi aprovado com 17 votos favoráveis a 6 contrários. O relatório traz em seu bojo seis projetos de Lei que causaram a insatisfação de muitos usuários e entidades. Participei da CPI como especialista convidado e confesso: Em nenhum momento fora mencionado tais “Projetos de Lei”. No entanto, tais projetos ainda passarão pela Câmara e Senado e prometem grandes discussões. O relatório também traz duas propostas de fiscalização e controle.

Apresentado em março, o projeto foi muito criticado, sobretudo diante da previsão dos bloqueios de aplicativos. Alguns pontos polêmicos caíram e outros permaneceram, os quais merecem uma análise detalhada.

O bloqueio de aplicativos poderá acontecer, porém apenas nos casos envolvendo crimes puníveis com pena mínima de dois anos (como por exemplo, violação de direitos autorais, tráfico e pornografia infantil). A medida vale para Apps que não possuem representação no Brasil. Nos crimes contra a honra, fica proibido o bloqueio. Porém, o Marco Civil, que também prevê o bloqueio, continua valendo para os sites e Apps que possuam representação no Brasil. O relatório, ainda, proíbe o bloqueio de mensageiros eletrônicos. Remoção de difamações e ofensas na Internet, só com ordem Judicial (caiu a menção que existia para remoções por mera notificação do ofendido).

Por outro lado, fica prevista a possibilidade de retirada de conteúdo repetitivo sem necessidade de nova ordem judicial, se a justiça anteriormente já havia determinado a remoção do mesmo conteúdo. Caso volte a aparecer, os provedores têm 48 (quarenta e oito) horas para remover, mediante mera notificação.

O tipo penal “invasão de dispositivo informático”, previsto na Lei 12.737/2012, também é ampliado, punindo-se qualquer forma de acesso a dispositivo alheio, independentemente de obtenção de vantagem ou dano ou mesmo de finalidade. O verbo “invasão” é substituído por “acesso indevido”.

Igualmente, o relatório prevê uma tendência e simpatia em autorizar autoridades investigativas a solicitarem dados de endereço IP utilizados para geração de conteúdo criminoso sem ordem judicial, o que contraria o Marco Civil da Internet. A ideia seria equiparar a metodologia para acesso a dados de endereço virtual (IP) à empregada para endereço físico que hoje já pode ser fornecido sem ordem judicial, com base na Lei das Organizações Criminosas (12.850/2013) e na Lei de Lavagem de Dinheiro (9.613/1998)

Por fim, no que diz respeito à estrutura investigativa, um dos projetos prevê que 10% do arrecadado no fundo de fiscalização das telecomunicações (Fistel) sejam empregados no financiamento do combate ao cibercrime, o que vem sendo duramente criticado, pois o fundo visa à inclusão digital e não o fortalecimento policial. A proposta ainda amplia a atuação da Polícia Federal diante de crimes cibernéticos, como nos crimes que possuam repercussão interestadual ou internacional.

Destaque-se que há também a indicação ao Conselho Nacional de Justiça sugerindo a criação de varas especializadas em crimes cibernéticos e a indicação ao MEC para a oferta de curso de Educação Digital nas escolas.

As disposições do relatório não estão em vigor, pois o texto irá para Câmara e tramitará como Projeto de Lei de autoria da CPI. Espera-se, ainda, muita discussão acerca do tema, sobretudo para harmonizar o relatório com o disposto no Marco Civil da Internet Brasil.

 

Escrito por José Milagre

José Antonio Milagre é advogado especialista em Direito Digital, Perito em Informática. Mestre em Ciência da Informação pela UNESP, Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP Regional Lapa e autor do livro “Manual de Crimes Informáticos”, 2016, pela Editora Saraiva. www.facebook.com/professormilagre

 


Gráfico importante sobre o relatório pode ser defino em: http://www.camara.gov.br/internet/agencia/infograficos-html5/CrimesCiberneticos2/index.html

O relatório final autenticado pode ser baixado em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito/55a-legislatura/cpi-crimes-ciberneticos/documentos/outros-documentos/relatorio-final/view




A quem interessa manter 100 milhões sem WhatsApp?

Mais uma vez, após duas anteriores decisões parecidas, o WhatsApp tem contra si uma sanção rígida e radical por descumprimento de ordem judicial e desrespeito ao Judiciário: A suspensão temporária de suas atividades. No Brasil até mesmo o diretor jurídico do provedor de aplicação já foi preso, pelo descumprimento de ordens judiciais.

A decisão do Magistrado vem amparada na Lei, pois prevista no inciso III do art. 12 do Marco Civil da Internet, diante do descumprimento dos parágrafos primeiro e segundo do art. 10 do mesmo dispositivo, vejamos:

Art. 10.  A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

1o O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7o.

2o O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7o.

Art. 12.  Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:

III – suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou

Deste modo, a controvérsia reside no fato de que cabe à lei a regulamentação da guarda e fornecimento das “comunicações privadas”. Inexistindo a regulamentação, grande voz doutrinária entende que ao provedor de aplicações responsável pelo WhatsApp caberia apenas o fornecimento dos registros de acesso a aplicação, nada mais.

De fato, o Marco Civil permite interpretações variadas e não restam dúvidas que o bloqueio que interfere na vida de cidadãos, em que pese autorizado na lei, encontra ressalvas em seus próprios princípios. Não se questiona que trata-se de medida radical, ordenada a terceiros sem relação à lide e que prejudica uma coletividade, alheia ao caso concreto.

Poderia ser emanada diretamente à aplicação, para que adotasse medidas para bloquear o aplicativo, e só diante da recalcitrância, ordem às teles. Mais ainda, antes de tudo, poderia o Magistrado adotar outras medias previstas no Marco Civil, como a multa, sua majoração, dentre outros recursos que só afetariam efetivamente quem está descumprindo ordem judicial e não a sociedade.

Por outro lado, não se pode deixar de registrar que não é raro o descumprimento de ordens judiciais por parte de certos provedores de aplicação, em dezenas de casos na Justiça Brasileira, onde o descumprimento ocorre não somente em relação ao fornecimento de conteúdo de comunicações (onde poderia incidir alguma resistência, considerando a omissão do Marco Civil), mas em fornecer meros registros de acesso a aplicação, que aliás é previsão expressa do art. 15 do Marco Civil da Internet:

Art. 15.  O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.

É neste sentido que, em direção oposta aos outros episódios em que a ordem judicial fora reformada pela segunda instância, aqui, ao que parece, o desfecho será outro, considerando que o Tribunal de Justiça de Sergipe negou a liminar em mandado de segurança do WhatsApp Inc, mantendo a ordem de suspensão para clientes da TIM, Oi, VIVO, Claro e Nextel. (O mérito ainda será analisado, podendo ocorrer a reforma da decisão)

Na fundamentação que mantém a bloqueio o eminente Desembargador Cezário Siqueira Neto assim conclui:

“Há de ressaltar que o aplicativo, mesmo diante de um problema de tal magnitude, que já se arrasta desde o ano de 2015, e que podia impactar sobre milhões de usuários como ele mesmo afirma, nunca se sensibilizou em enviar especialistas para discutir com o magistrado e com as autoridades policiais interessadas sobre a viabilidade ou não da execução da medida. Preferiu a inércia, quiçá para causar o caos, e, com isso, pressionar o Judiciário a concordar com a sua vontade em não se submeter à legislação brasileira”

Estamos convictos que a situação e outras que irão surgir não podem ser resolvidas permitindo-se que extremos aconteçam ou na inércia necessária para que a população se volte contra o Judiciário, mas deve ser norteada por um diálogo, por medidas para minimizar os danos, por uma interação clara sobre os limites técnicos em relação ao que a aplicação custodia ou não. Isso se chama boa-fé.

Que se caminhe para resolução da situação observando os princípios constitucionais, a proporcionalidade e a lei, mas principalmente, que haja, por parte de todas as partes processuais (e não só pelo Judiciário, como muitos querem cravar) respeito para com os milhares de usuários prejudicados.

É realmente válido penalizar 100 milhões de usuários para proteger registros de acesso à aplicação de investigados por tráfico, solicitados por ordem de um Juiz competente, após fundamentada decisão, com amparo na Lei? É uma reflexão para a sociedade analisar.

Escrito por José Milagre

 

José Antonio Milagre é advogado especialista em Direito Digital, Perito em Informática. Mestre em Ciência da Informação pela UNESP, Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP Regional Lapa e autor do livro “Manual de Crimes Informáticos”, 2016, pela Editora Saraiva. www.facebook.com/professormilagre




Usuários de internet Banda larga podem buscar na Justiça o direito a manutenção do acesso ilimitado

Desde fevereiro de 2016 as operadoras de telefonia anunciaram que estabeleceriam franquia de dados em seus planos de banda larga. Segundo a Anatel, não há mais possibilidade para que as operadoras de Banda Larga fixa ofereçam serviços sem limitação. As teles pretendem mudar para o modelo de franquias, o que hoje já acontece com a Internet móvel (o consentimento ou “aceitação” na internet móvel não pressupõe concordância com práticas abusivas).

No modelo de franquia o usuário contrata um volume de dados e uma velocidade de conexão de modo que com o fim do volume pode ocorrer a redução na velocidade ou a suspensão do serviço. O Regulamento do serviço de comunicação multimídia da Anatel (2013) prevê a possibilidade das franquias de consumo de dados. A lei informa que os provedores devem proporcionar meios e ferramentas para que o consumidor acompanhe o consumo do seu tráfego. Resoluções da Anatel não estão acima da Lei.

A Agência até comunicou as operadoras para que apresentem um plano de comunicação com usuários para informá-los das franquias, esgotamentos de pacotes e mudanças de contratos. (Argumentos frágeis).

Os supostos motivos todos nós sabemos, o crescente uso de dados na transmissão de comunicações e vídeo, com uso de aplicativos como WhatsApp, Skype e serviços como o NetFlix, que geram e vem gerando perdas significativas às operadoras.

Ao que parece Vivo e Net já ajustaram seus contratos prevendo o volume de dados. Tim e Oi ainda estão mantendo a banda larga ilimitada. Importante destacar que mesmo os que assinaram contratos com tais cláusulas tem direito de questioná-las judicialmente, pois somente agora perceberão a desvantagem mais que excessiva.

Para quem já tem contrato de franquia ilimitada o alerta: As mudanças unilaterais de contratos não podem prejudicar as contratações realizadas anteriormente. Contratos de adesão não podem ser alterados unilateralmente. Neste contexto, Código Civil e Código de Defesa do Consumidor amparam aqueles que já contratados na Internet Banda Larga Ilimitada, queiram manter seus contratos. E mesmo que a operadora force uma resolução ou aditivo ou estabeleça que a franquia ilimitada se dará até o fim do ano, estes consumidores podem sim obter na Justiça o direito de permanecerem com seus contratos estáveis e irretocáveis.

De se destacar que já foi identificada manobra das empresas de internet envolvendo a mudança de contratos em andamento, oferecendo mais velocidade pelo mesmo preço, mas por outro lado, inserindo a cláusula de franquia máxima. O consumidor não deve concordar por telefone, SMS ou qualquer abordagem. A redução da franquia sem justificativa é violação ao Código de Defesa do Consumidor.

O que nos gera espanto é que a Anatel, que deveria regulamentar o setor, mais se assemelha a uma preposta das empresas de Telefonia, na contramão do mundo, tentando limitar o acesso dos usuários à rede. Isso prejudica estabelecimentos, governo, universidades, centros de pesquisa, e milhões de pessoas. Uma elevação sem justa causa do preço de serviços.

Seja como for, a redução da franquia (ou o seu estabelecimento imotivado), em nosso entendimento fere o Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014, que em seu art. 7, inciso IV, assegura aos usuários o direito de não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização. Pelo Marco Civil, o acesso à Internet é essencial ao exercício da cidadania, logo, não se trata de um simples serviço que pode ser limitado ao bel interesse das operadoras (tendo sido reconhecido como Direito Humano pela ONU). E mais, mesmo a “diminuição” do tráfego, conquanto não seja “suspensão”, pode ter efeitos análogos e prejudicar o consumidor.

De se destacar que mesmo sendo comunicado do novo contrato, o consumidor não é obrigado a encerrar o seu contrato, considerando que o Código de Defesa do Consumidor veda mudanças que prejudiquem o mesmo. Em síntese, deve o consumidor discordar e manter seu plano e a operadora pode ser obrigada judicialmente a isso.

Não bastasse, o art. 9º. do Marco Civil estabelece que a discriminação ou degradação do tráfego ainda será regulamentada e só poderá ocorrer de requisitos técnicos indispensáveis à prestação do serviços e para priorização de serviços de emergência. O mesmo artigo estabelece em seu parágrafo terceiro que na provisão de conexão à Internet, onerosa ou gratuita é vedado bloquear o conteúdo do pacote de dados. Deixando-se claro que, em embora a franquia não bloqueie determinado tipo de tráfego, o efeito é próximo, pois vídeo e áudio serão os mais prejudicados. Um vídeo no Netflix pode consumir 7 GB por hora. Imagine isso num plano com limite de 50 GB por mês.

Ainda que imaginássemos a legalidade da franquia de dados à Banda Larga, em forçoso raciocínio, esta prática não poderia causar danos aos usuários, pois caso comprovado, poderá o provedor ser condenado a indenizar, nos termos do art. 927 do Código Civil Brasileiro e seguintes. Deveria igualmente informar adequadamente o consumidor, oferecendo condições comerciais não discriminatórias.

Deste modo, o consumidor não pode engolir mais esta tentativa de cercear um direito essencial. A degradação ou diminuição de tráfego afronta diversas leis federais, a Constituição Federal e julgados, e os lesados ou que estejam na iminência de prejuízo, envolvendo limitações a sua Internet, poderão buscar o Judiciário e até mesmo tutelas de urgência, visando a preservação de seu “status”, ou mesmo para invalidar ou buscar a nulidade das alterações unilaterais de condições contratuais que lhes coloquem em desvantagem, mesmo que assinado contrato ou consentido por meios eletrônicos De se destacar que com a inversão do ônus da prova, trazido com o novo CPC, poderá ser o provedor o responsável por provar que o tráfego do consumidor não foi reduzido.

Caberá ainda, por fim, na inexistência de contrato ou fornecimento pela operadora do documento, medida específica, obrigando esta a apresentar o precitado documento, indispensável para que o consumidor exerça seu direito. Ao consumidor, recomenda-se preparar sua documentação e ficar atendo às ações da PROTESTE e IDEC que já questionam na Justiça a legalidade das medidas, incluindo pedido liminar para suspensão das cláusulas nitidamente abusivas.

 

José Antonio Milagre é advogado especialista em Direito Digital, Perito em Informática. Mestre em Ciência da Informação pela UNESP, Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP Regional Lapa e autor do livro “Manual de Crimes Informáticos”, 2016, pela Editora Saraiva. www.facebook.com/professormilagre




A proteção intelectual dos segredos comerciais e industriais

Quando tratamos de propriedade industrial, muito se fala em marcas, patentes, modelos de utilidade e desenhos industriais. Porém o conhecimento tem sua proteção intelectual. A legislação brasileira protege o denominado segredo de fábrica ou indústria.

Segredo de indústria é todo e qualquer processo industrial suscetível de ser privilegiado, mas que não o foi, tendo seu detentor optado por explorá-lo secretamente. Esta exploração secreta lhe traz algumas vantagens, como a não publicidade do mesmo, o que poderia vir a tona com o pedido de patente e também a possibilidade de gozar de proteção que advém do uso secreto. Tais conhecimentos podem ser transmitidos por meio de contratos de transferência de tecnologia.

Assim, o segredo industrial pode ser entendido como todo e qualquer conhecimento restrito ou reservado, relativo a ideias, produtos e procedimentos industriais que o empresário deseje manter oculto, considerando que representa valor competitivo à companhia.

Neste sentido, a proteção às informações, dados e segredos utilizáveis na indústria, comércio e prestação de serviços, encontra-se estampada nos incisos XI e XII do Art. 195 da lei 9.279/1996. Ademais, toda a forma de concorrência contrária aos usos honestos em matéria industrial ou comercial encontra proteção no art. 10 da Convenção da União de Paris (CUP)

Logo, resta demonstrar que aquele que se aproveita de segredos industriais e de comércio comete crime de concorrência desleal tendo em vista que emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio, clientela de outrem.

De maneira que, muitas vezes os segredos de fábrica ou comerciais podem estar compreendidos no denominado fundo de comércio ou mesmo no que denomina-se “aviamento empresarial da empresa”, o que é considerado conjunto de bens incorpóreos agregados à empresa e seus produtos, pela inteligência e sensibilidade dos seus titulares.

Neste sentido, pessoas que tiveram seus segredos usurpados, podem buscar a reparação civil do dano, in re ipsa (onde o prejuízo está na própria infração), com amparo nas regras previstas nos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil e em conjunto com o disposto no art. 207 a 210 da Lei Brasileira de Propriedade Industrial. De se destacar ainda que a indenização decorrente da violação, pode não ocasionar dano à esfera patrimonial ou moral do ofendido, no entanto, valendo a regra do Art. 884 do Código Civil, sendo cabível o dever de indenizar pelo “enriquecimento sem causa”.

Importante por fim destacar que em se tratando de concorrência desleal por violação de segredo industrial, não há necessidade de comprovação de danos emergentes e lucros cessantes, isto porque a regra geral da responsabilidade civil cede espaço a regra específica da Lei de Propriedade Industrial.




Direitos de transmissão e retransmissão de eventos esportivos

Copa 2014No Brasil, 21 emissoras de rádio adquiriram os direitos de transmissão da Copa do Mundo 2014. Estas emissoras autorizadas, compraram ao direitos da GloboSat (Rede Globo). As cotas de transmissões custaram em torno de 1 milhão e meio de reais. Algumas questões aparentemente impostas foram destacadas como mais que arbitrárias, como a proibição do uso do “radio de pilha” nos Estádios, bem como a proibição de divulgação de notícias sobre o evento.

Além disso, exibições públicas dos jogos com fins comerciais dependem de licenciamento da FIFA, bem como as não comerciais acima de 5000 espectadores. O telão no bairro está liberado. Já nos bares, se existe cobrança para assistir, pode-se estar a violar as regras de licenciamento.

Algumas ações civis públicas foram impetradas pelo Ministério Público Federal em diversos Estados, buscando assegurar às rádios o direito à transmissão remota “off-tube” (quando não se está nos estádios) isento de qualquer pagamento ou licença prévia da FIFA ou agentes delegados. Segundo o MP, as regras da FIFA beiram a censura.

No entanto, não conhecemos ações que foram exitosas, sendo que a de Novo Hamburgo (http://s.conjur.com.br/dl/acao-mpf-hamburgo-emissoras-radio-copa.pdf) foi julgada improcedente na Justiça (http://s.conjur.com.br/dl/fifa-direito-cobrar-emissoras-radio.pdf).

Assim, a Fifa pode atingir a marca de R$ 10 bilhões de renda com a copa do mundo. De fato, a Lei Geral da Copa (12.663/2012) reforça subsídios a FIFA para uma série de proibições e restrições intelectuais.

O empresário, por exemplo, que disponibiliza a transmissão dos jogos a público poderia se enquadrar no conceito de execução pública, sendo devido pagamento de direitos autorais, caso se constate não haver apenas recepção mas retransmissão, aliada a atividade comercial.

Do mesmo modo, uma webradio, que retransmite por meio de streaming, sem autorização, estaria violando os direitos intelectuais. Para rádios que não são autorizadas, o primeiro passo é verificar se o contrato das autorizadas permite que elas repartam direitos de transmissão com outras emissoras e quais as condições: cabo, satélite, terrestre, móvel ou Internet. Algumas estratégias podem ser interessantes às rádios, como a formação de um pool para compra dos direitos, o que pulveriza os custos. Para as rádios que não compraram os direitos, existe a possibilidade de afiliação a uma autorizada para retransmissão da competição ou de eventos esportivos em geral, o que não é vedado e muitas vezes pode ser tornar um negócio lucrativo para as rádios autorizadas.

Ademais, algumas autorizadas com direitos de sublicenciamento concedidos pela FIFA ou pelos titulares dos direitos oferecem a retransmissão gratuita a rádios afiliadas, desde que cumpram as condições e, se forem rádio web, implementem “geo-blocking”, impedindo que o som vá para outros países. É importante mencionar que as autorizadas investiram por anos para o preparo da logística da Copa, não sendo legal que rádios sem autorização retransmitam e não cumpras as condições fixadas.

Em http://pt.fifa.com/worldcup/organisation/public-viewing/index.html a FIFA disponibiliza algumas regras sobre os direitos de transmissão dos eventos.

Neste sentido, não demais ressaltar, o direito de controlar o conteúdo encontra respaldo, no Brasil, na Lei de Direitos Autorais (9610/1998), sendo que cabe ao autor ou ao titular dos direitos patrimoniais sobre conteúdo, autorizar as formas de uso que entende viável. De modo que, estabelece a legislação que cabe às empresas de radiodifusão o direito exclusivo de autorizar ou proibir a retransmissão, fixação e reprodução de suas emissões, bem como a comunicação ao público, pela televisão, em locais de freqüência coletiva, sem prejuízo dos direitos dos titulares de bens intelectuais incluídos na programação.

Assim, a transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; Caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro.

Cabe aos titulares o direito de fiscalizar a retransmissão irregular radiofônica ou de sinais televisivos, buscando judicialmente as reparações cabíveis.




Projeto de Lei no Senado pretende alterar o Marco Civil da Internet

Marco CivilA Lei 12.965/2014 não completou sequer o aniversário de vigência e no Senado Federal já existe um projeto de lei destinado à alteração da mesma.

Foi proposto no Senado o PL 180 de 2014, que altera dispositivos da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 – Marco Civil da Internet, para estabelecer a finalidade e restringir o rol de autoridades públicas que podem ter acesso a dados privados do cidadão na internet, prever a possibilidade de recurso contra decisão interlocutória que antecipa tutela no âmbito dos Juizados Especiais e dar outras providências.

Pelo projeto, os artigos  2º, 3º, 5º, 7º, 10, 12, 13, 15 e 21 do Marco Civil são alterados. Ainda, há o acréscimo de outros artigos.

Especificamente no que tange ao requerimento de guarda de dados por mais tempo do que o legal, a ser feito pelo Delegado ou Ministério Público, a lei complica a vida destas autoridades, exigindo que tal requerimento seja judicial, e não diretamente ao provedor, como entendido por muitos na versão originária da Lei.

Cria a legislação projetada, também, o art. 19-A, prevendo a possibilidade de recurso de agravo de instrumento em face de decisões onde ocorram a antecipação da tutela nos juizados especiais, nas causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como nas causas sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet.

No art. 21, o PL amplia as possibilidades de notice and take down, não apenas para casos envolvendo imagens ou vídeos de cunho sexual mas também em relação a qualquer conteúdo que viole a dignidade da pessoa humana, conceito muito amplo e subjetivo. Problema.

O Projeto também cria o art. 21-A que prevê a não responsabilidade dos blogs por conteúdos produzidos por terceiros. Assim a pessoa física ou jurídica que, por intermédio das funcionalidades desenvolvidas pelos provedores de aplicação da internet, for responsável pela edição, publicação, compartilhamento, reprodução ou, em virtude de privilégios concedidos pelos sistemas informáticos, detenha o controle da disponibilização do conteúdo na internet não poderá ser responsabilizada civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.

Por fim, o Projeto de lei cria o art. 23-A, prevendo a obrigatoriedade do provedor de aplicações em dispor de sistema próprio, preferencialmente em meio eletrônico, para recebimento de denúncias e solicitações de usuários.

Mais informações em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=150517&tp=1