O debate político e as eleições disputadas com Robôs nas redes sociais

Uma recente pesquisa da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP/FGV) apontou que softwares programados para simular pessoas em redes sociais, robôs ou “bots”, influenciam o debate político na Internet e estão polarizando as discussões. Um relatório da Universidade de Oxford, que analisou os impactos das redes sociais e o envenenamento de usuários reais, confirmou que robôs se infiltraram e tiveram significante influência nas eleições de 2016.

Com visto, não é de hoje o uso deste recurso em campanhas eleitorais. Em algumas pesquisas na Internet é possível identificar empresas oferecendo serviços de postagens automatizadas, criação de grupos e popularização de perfis até então pouco notórios, tudo com vista ao êxito no pleito eleitoral. Em minha pesquisa de Mestrado na UNESP, pude demonstrar e revisar inúmeros artigos que propõe os chamados BOTs sociais, sendo que alguns possuem técnicas até mesmo de clonar informações reais de uma pessoa, gerando maior confiança na hora de solicitar novas amizades. Na pesquisa, conclui que poucas pessoas não “adicionariam novamente” alguém que já é amigo.

Os bots são capazes de gerar movimentos que parecem ser maiores do que são, inflar aceitação a um candidato ou mesmo a rejeição, espalhar fatos distorcidos, ou mesmo se posicionar sobre temas em busca do efeito manada, no que denominamos de “floodagem de opinião”, aquela sensação de que todos estão com um candidato ou contra outro, todos estão a favor de um tema ou contra.

Como dito no estudo, um grande percentual dos debates políticos das eleições presidenciais 2014 se deu por robôs. Durante o processo de impeachment, apurou-se que 20% das interações de demonstravam apoio à Dilma se deram por robôs. Não há duvidas que no Brasil, diversos grupos de interesse podem estar a utilizar estas técnicas.

A pesquisa revela que os robôs favorecem a polarização e trata os BOTs como ameaça real à qualidade do debate público. Além disso, percebe-se que muitos robôs operam a partir do exterior, o que pode já nos chamar a atenção para uma violação à soberania cibernética, com a possibilidade de agentes exteriores realizarem manipulações em nossos debates, que influenciam em nossos sistemas e decisões, a partir de um outro país.

A identificação dos mentores, beneficiários e grupo de pessoas por trás dos robôs que difamam, caluniam, injuriam e espalham inverdades na rede, ganha importância maior, considerando que os robôs conseguem influenciar, replicando perfis humanos e os poucos recursos que usuários tem para discernir entre um perfil ou notícia verdadeira ou falsa, fato que vimos alertando há muito tempo. A Lei Eleitoral já prevê como crime a contratação de pessoas par espalhar desinformações e boatos em redes sociais e as vitimas podem se valer do direito digital, especialmente, o Marco Civil da Internet, para descobrirem os responsáveis pelas ofensas e crimes na Internet.

Mas a questão não é repressiva. É preciso debater os usos dos recursos tecnológicos e a “automatização” das opiniões, descobrir formas de atuação e apuração de autoria, bem a criação de programas de educação digital pelos responsáveis pelas eleições e autoridades. Oferecer meios para que cidadãos possam discernir entre o real e o falso, bem como agir diante de da manipulação da informação, passa a ser questão de integridade.




Como proceder e denunciar um crime virtual ou na Internet

O Brasil é o segundo país da América Latina que mais sofre com o crime cibernético, com 31% das atividades maliciosas ocorrendo em seu território, conforme a empresa Palo Alto Networks. Crimes virtuais são os crimes praticados por meio ou contra a Internet e a tecnologia da informação. Parte dos crimes previstos no Código Penal podem ser cometidos por meio da internet. Os principais estão relacionados à privacidade, honra (ofensas na Internet) e patrimônio. Os crimes mais comuns são injúria, calúnia, difamação, ameaças, roubo, dano informático, estelionato, falsidade ideológica dentre outros, como a extorsão nos casos de ransonware e pedidos de resgate em bitcoins para devolução dos dados criptografados.

No Brasil as leis 12.737/2012 e 12.965/2014, respectivamente Lei Carolina Dieckmann e Marco Civil da Internet, trazem importantes disposições para quem é vitima de ameaças, golpes e fraudes na Internet.

A informação é a linha tênue que separa uma pessoa do grande volume de vítimas que surgem diariamente no País. A falta de programas de educação digital, orientação e conhecimento, ou mesmo o medo, impedem que pessoas denunciem estes crimes.

Algumas orientações são muito importantes, sobretudo no Brasil, que é um dos principais países em número de crimes informáticos e com milhares de processos judiciais em andamento. É preciso inicialmente deixar claro que os criminosos digitais podem ser punidos com detenção e multa. Ademais, denunciar é impedir que conteúdos indevidos, como na vingança pornô, em que fotos íntimas vazam e caem na rede ou em comunicadores como WhatsApp, se perpetuem, contribuindo para o efeito educacional e a sensação de que condutas digitais também possuem consequências sérias.

Se você foi vitima de um crime digital, alguns passos são importantes: Primeiro passo é jamais apagar o conteúdo. Muitas vezes a vítima de exposição indevida de fotos e vídeos apaga o conteúdo, com medo de pais, familiares e professores. Esta conduta está absolutamente equivocada. Preservar é fundamental pois através dele pode-se chegar até o criminoso ou provar seu intenção. Assim, salve tudo que puder, e-mails, print screen de telas, dados do criminoso, links e URLS, conversas em redes sociais, etc.  Salve em mais de uma fonte e se possível peça para outras pessoas verem, salvarem e testemunharem.

O segundo passo é registrar, ou seja, de posse das informações ou mesmo na iminência de um conteúdo sair do ar, como uma ofensa, uma publicação indevida ou página e perfil fake, pode-se utilizar testemunhas eletrônicas para registrar o fato, como o originalmy.com por exemplo, aplicação que registra um fato na Blockchain. Caso prefira, pode-se registrar uma ata notarial em cartório (instrumento público que registra os documentos e fatos digitais e declara a veracidade deles), porém, tem-se um custo mais elevado e existe a cobrança por página. Assim, o registro auxilia a comprovar um crime virtual. Em se tratando de crimes financeiros ou bancários (com cartão ou boletos), buscar apoio de um advogado especializado em direito digital para notificação ao banco ou operadora e ressarcimento dos valores.

O terceiro passo consiste em registrar um boletim de ocorrência. E aqui um esclarecimento. Crimes pela internet devem ser registrados sim e não existe o argumento de que “não é crime”, “não se pode fazer nada”, ou “o autor é menor não compensa registrar”. A vitima deve dirigir-se a delegacia, se possível acompanhada por um advogado especializado em crimes de internet ou direito digital e registrar o ocorrido. Em algumas delegacias, já se pode fazer o pedido online de remoção ou bloqueio de conteúdos, ou até mesmo identificação dos responsáveis, pois algumas redes sociais possuem áreas para acesso direto de policiais e envio de pedidos de remoção. O boletim é essencial pois a partir dele será instaurado o inquérito policial para apuração do crime e investigação dos fatos. Além disso, a vitima poderá iniciar o procedimento judicial cível por reparação de danos. Neste site temos modelos de pedido de remoção de conteúdos indevidos: http://www.safernet.org.br/site/prevencao/orientacao/modelo-carta.

Em uma era de crescimento da internet e aumento de crimes digitais, é muito importante que a educação digital seja ministrada em escolas para que as pessoas se conscientizem dos riscos e que saibam como agir basicamente diante de crimes digitais e na Internet. Não há dúvidas que o desafio de tornar a internet um ambiente com mais segurança passa por educação digital e atuação preventiva, segurança da informação e leis mais efetivas que cooperem com autoridades na apuração de crimes. Por outro lado, cabe a sociedade, escolas e organizações civis, o dever de por este tema em pauta, com a consciência de que a melhor forma de combater o crime digital é agir preventivamente.

 

José Antonio Milagre é Advogado especialista em Direito Digital, Mestre em Ciência da Informação pela UNESP e diretor da Associação Brasileira de Educação Digital ABRAEDI www.direitodigital.adv.br

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E quando seu clone assumir o comando? Reflexões jurídicas sobre o app Replika

Um amigo que morre e a vontade de dialogar com mesmo, criando sua versão “simulada”, motiva o desenvolvimento de um robô que após interagir com você em certa intensidade se torna uma cópia das suas características. O Aplicativo Replika, disponível para IOS e Android, utiliza inteligência artificial na criação de uma espécie de “clone virtual”.

Eugenia Kuyda, que perdeu o melhor amigo em 2015 em um atropelamento, reuniu todas as mensagens pessoais e comentários do rapaz em redes sociais (Twitter e Facebook) e criou um chatbot que teria a personalidade do amigo. Algo parecido com o Episódio Be Right Back de Black Mirror, ou com o filme de ficção científica Chappie? No filme, ao ser reprogramado, um Android se torna Chappie, o primeiro robô com capacidade de pensar e sentir por si mesmo, mas que imita pessoas com quem convive.

O Acesso ao App Replika se dá por convite ou por meio de um link, reservando-se um nome de usuário. Acessando o aplicativo, o mesmo permite a conversa com o bot, que interagindo contigo, chega ao ponto em que “é você”.

No AppAnnie, que monitora os aplicativos populares, o aplicativo foi um dos mais baixados no Brasil. Em meio aos humorísticos “usos” como por exemplo, colocar o bot para discutir a relação com a namorada, alguns pontos merecem uma reflexão. Se coletando dados manualmente, foi possível traçar a personalidade do amigo e desenvolver um aplicativo que com alguns chats faz a leitura da personalidade, o que podemos imaginar seria possível com terabytes de dados que lançamos diariamente em redes sociais, comentários, impressões, criticas, ofensas, elogios, curtidas, tweets. Agora imagine um clone que sabe mais de nós do que nós mesmos?

Alguns estudos indicam que em 20 (vinte) likes, isso mesmo, likes, já é possível traçar a personalidade de alguém, que sequer precisa “abrir a boca”, se assim podemos dizer. A própria Universidade de Cambridge tem o projeto Apply Magic Sauce, onde é capaz realizar inúmeras predições de personalidade, apenas analisando likes em redes sociais.

O segundo ponto a se tratar também está relacionado à privacidade. O que é possível fazer com estes dados se estiverem em mãos erradas? A cada réplica é criado no sistema um perfil com uma URL e usuários que não se atentarem às configurações podem exibir conversas e até dados privados. Pessoas podem querer interagir com seu clone antes de conversar com você por inúmeros motivos, desde conquistá-lo a comprar ou fazer algo, já conhecendo seu perfil e possíveis objeções, o que seria um marketing mais questionável, a até mesmo obter informações privilegiadas ou privadas (como indícios de uma senha, estratégias ou códigos de acesso) para inimagináveis ações, positivas ou extremamente negativas.

Imagine alguém usando seu clone para aplicar um golpe em alguém de confiança, valendo-se da forma com que fala e de sua personalidade? Teríamos novas modalidades de ciberataques focados na clonagem da personalidade?

Mas como no filme Lucy, estes aplicativos teriam aplicações úteis como melhorar “nossa capacidade”, ou nos oferecer uma extensão de nós mesmos, onde poderíamos dizer como no referido filme “estamos em toda parte”? Poderíamos nos relacionar, trabalhar ou fechar contratos inteligentes aplicando nossos clones? E se algo der errado, qual o direito digital aplicável? O Replika permite, por exemplo, que pessoas conversem com seu clone. Inquietações registradas, por hora, o Replika é apenas um aplicativo que aprende com você, utilizando duas tecnologias em absoluta emergência, a inteligência artificial e os chatbots.

Mas e quanto ao amigo da programadora Eugenia Kuyda? Ele autorizaria que sua personalidade fosse clonada e eternizada em códigos? Mas, qual direito temos sobre a clonagem de personalidade? Será que teremos que dispor sobre nossa herança virtual (dados), evitando que sejam tratadas e gerem clones ou usos indevidos? Já existem projetos de lei no Congresso Nacional a respeito. E quando a tecnologia por trás do Replika estiver em todos os locais virtuais que passemos, e por onde interagirmos, lá poderá estar um o novo “eu” em formação, sem que eu saiba? O que estamos criando e quais suas formas de uso? Seria muito bom que soubéssemos.

José Antonio Milagre, palestrante tecnólogo, advogado especializado em Direito Digital, Mestre e Doutorando pela UNESP. facebook.com/josemilagreoficial




Direito Digital: o que é, oportunidades e como ser um advogado especialista em Direito e Tecnologia? (2021)

Atualmente, a sociedade está inserida em um contexto cada vez mais digital, sendo notório o impacto da tecnologia em todas as áreas. O Direito tem passado por inúmeras transformações nos últimos tempos, sendo que o Direito Digital é um desdobramento desse novo cenário.

Assim, o Direito Digital é uma releitura dos demais ramos do Direito e visa tutelar as relações que ocorrem no ambiente virtual. Cumpre ressaltar que há um verdadeiro diálogo de fontes com os outros ramos do Direito, principalmente o Civil e o Penal.

Diversas situações contribuem para o desenvolvimento do Direito Digital.Até 2022, haverá 18 milhões de dispositivos IoT (Internet of Things), o que representa um aumento massivo de situações, seja para regularizar, proteger ou reduzir os riscos existentes (MARKETSANDMARKETS).Também, o emprego de algoritmos e o uso da Inteligência Artificial (IA) impulsionam cada vez mais a sociedade. Recentemente, uma pesquisa do MIT Technology ReviewInsights (2020)com 301 líderes de negócios e tecnologia, verificou que 38% relataram que seus planos de investimento em IA permaneceram inalterados como resultado da pandemia do Covid-19 e 32% indicaram que a crise acelerou seus planos.

Essas situações representam um crescimento exponencial do volume de dados no mundo, o que influencia na maneira como os dados podem ser usados, isto é, na criação de padrões comportamentais, auxílio na tomada de decisões, identificação de riscos, entre outras formas.

Por isso, o advogado especialista em direito digital nunca foi tão essencial atuando não só no contencioso em questões envolvendo direito civil, contratos, tributário, consumidor, mas, também, no consultivo e compliance em apoio e negócios digitais e startups.

Vale destacar que o Direito Digital não envolve somente os crimes cibernéticos, mas se relaciona com todas as demais áreas do direito, a medida em que a sociedade está cada vez mais informacional. Além disso, a sua atuaçãoenvolve a conscientização para os riscos existentes no ambiente virtual, contribuindo para a construção de uma sociedade mais segura e na preservação dos direitos fundamentais.

PRINCIPAIS NORMAS APLICADAS AO DIREITO DIGITAL

Dentre as inúmeras leis existentes no Brasil, há algumas que estão relacionadas à tecnologia, sendo que o advogado especialista em Direito Digital deve conhecê-las profundamente.São elas:

– a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011),

– a Lei Carolina Dieckmann ou de crimes informáticos (Lei nº 12.737/2012),

– o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014),

– o Decreto nº 8.771/16, que regulamentou alguns aspectos do Marco Civil,

– a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018), e

– o Decreto nº 9.854/2019, que institui o Plano Nacional de Internet das Coisas.

Além disso, os advogados especialistas em Direito Digital precisam conhecer as demais normas que estão relacionadas ao caso concreto, como o Código Civil, Código Penal, Código Tributário,além dos conhecimentos gerais, visto que o Direito Digital estabelece conexões com outros ramos do Direito.

ÁREAS DE ATUAÇÃO PROMISSORAS NO DIREITO DIGITAL

O Advogado especialista em Direito Digital poderá atuar na área consultiva e contenciosa. Em inúmeros casos trabalhará com aportes de outros ramos do Direito, com o viés tecnológico, em outros, no entanto, trabalhará com fontes próprias do Direito Digital. Apesar de haver diversas áreas de atuação, serão mencionadas, a seguir, as principais áreas promissoras.

Crimes digitais ou Crimes Cibernéticos

A prática de crimes no ambiente virtual foi um dos principais motivos que impulsionou o Direito Digital, em razão da necessidade de produzir provas válidas e penalizar condutas praticadas nesse contexto.

O Brasil é um dos principais países no mundo em número de crimes cibernéticos, sendo as perdas de 10 bilhões de dólares por ano, segundo McAfee, sendo que a maioria (54%) dos ataques tem origem no próprio país (MACHADO, 2018).

Em relação às leis aplicadas, a Lei Carolina Dieckmann ou de crimes informáticos (Lei nº 12.737/2012) representa uma importante lei para os crimes digitais, pois tornou crime a prática de invadir dispositivos eletrônicos a fim de obter, adulterar ou destruir dados de terceiros.

O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), no contexto dos crimes digitais, auxilia na identificação dos autores dos crimes, visto que regulamenta o dever de guardar e fornecer os registros de conexão e de acesso, além de disciplinar a responsabilidade civil dos provedores de acesso e aplicações.

O Estatuto da Criança do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90) é uma norma que protege as vítimas com maior vulnerabilidade e prevê diversos crimes envolvendo o uso da tecnologia, como os artigos 240, 241, 241-A e 241-B.

A prática de crimes na Internet vem sendo cada vez mais comum. Os principais crimes em 2019, conforme o Datasafer (2019), são:

Verifica-se que continuam em alta os crimes contra honra, quais sejam, a calúnia, a injúria e a difamação, bem como os relacionados à intimidade sexual. Além disso, são comuns os crimes como revenge porn, que visam divulgar matérias intimas com o fim de vingança, previsto no artigo 218-C, § 1º, e o compartilhamento não consentido previsto no art. 218, caput, ambos do Código Penal.

Igualmente, ameaças e extorsões são cada vez mais comuns, sobretudo com a onda ransomware, ataques que criptografam os discos e exigem resgates, muitas vezes em moeda digital (criptomoedas). Também, golpes por meio de técnica conhecida como SIM SWAP, que consiste no repasse pela operadora do número de telefone do usuário para um novo chip, que está em posse de criminosos, possibilitando a invasão de aplicativos de trocas de mensagens, internet banking e o acesso a informações privativas.

Cumpre ressaltar a importância do advogado especialista em Direito Digital ter conhecimento dos aspectos informáticos e de perícia forense, a fim de compreender a cadeia de custódia e a formação da prova informática, bem comoconhecimentos relativos à remoção do conteúdo ilícito que se encontra em determinado site ou rede social.

Neste contexto, é quase consenso para os advogados especialistas em Direito Digital que as leis atuais são, em parte, suficientes para tutelar vítimas dos mais variados crimes cometidos através do computador ou outro dispositivo informático. Os maiores problemassão, muitas vezes, as investigações e a falta da cooperação dos provedores de aplicação, principalmente os estrangeiros, necessários à apuração da autoria.

O advogado especialista em Direito Digital deverá conhecer sobre Processo Penal e as condutas tipificadas como crimes no Código Penal e nas demais leis, além de conhecimentos técnicos sobre perícia digital, para obter êxito na sua atuação, seja na defesa das vítimas, ou daquelas que praticaram as condutas criminosas.

Proteção de dados pessoais

Em razão da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), a preocupação com a proteção de dados pessoais foi potencializada e a adequação à lei deixou de ser opcional e tornou-se prioridade.

Sabemos queo dado pessoal é considerado um bem importante, pois permite identificar diversas informações sobre os indivíduos, como comportamentos e desejos, e auxiliar na tomada de decisões.

A sociedade enfrenta vários desafios: aumento constante do volume de dados, a diversidade de formatos e fontes de dados, e a velocidade em que são produzidos e identificados. Por isso, a preocupação com a proteção de dados torna-se cada vez mais necessária e exige um olhar especial por parte dos advogados especialistas em Direito Digital que atuem com Privacidade de Proteção de Dados, sendo que essa atuação pode ocorrer tanto no setor privado, como no setor público.

Dentro do cenário da implementação da LGPD, o advogado especialista em Direito Digital pode realizarconsultorias voltada à implementação da lei, auxiliando diretamente no processo de adequação, ou apenas na identificação das bases legais que permitem o tratamento dos dados em determinada situação.

Além disso, poderá atuar na redação e revisão de documentos essenciais ao processo de adequação, como Políticas de Privacidades e Termos de Uso, Relatório de Impacto à Proteção de Dados (RIPD), Processo de Respostas à Incidentes, bem como na revisão de contratos e acordos de processamento de dados elaborados entre as empresas.

Vale ressaltar, também, a possibilidade de atuar em favor dos titulares dos dados pessoais, representando-os, seja perante os agentes de tratamento, a ANPD ou Poder Judiciário.

Dessa forma, poderão solicitar informações aos agentes de tratamento sobre como é realizado o tratamento de dados; requer a correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados; a eliminação dos dados, dentre outras ações voltadas à observância dos seus direitos.

Em relação à representação perante a ANPD, o advogado especialista em Direito Digital pode formular petições para os titulares, após comprovada a apresentação de reclamação ao controlador não solucionada no prazo estabelecido em regulamentação, além de realizar reclamações sobre o tratamento de dados pessoais em desconformidade com a LGPD.

Em situações graves, como nos vazamentos de dados, poderá buscar o Poder Judiciário para buscar a reparação pelos danos causados, que inclusive pode ser exercido coletivamente em juízo, nos termos do art. 42, § 3º, da LGPD.

Assim, como todas as áreas necessitam adequar-se à LGPD, o advogado especialista em Direito Digital deve estar preparado para atender às demandas, realizando consultorias e auxiliando nos processos de implementação, bem como atuando no assessoramento de empresas e agentes de tratamento no relacionamento com titulares de dados e Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Inteligência Artificial

Uma das principais transformações em razão do avanço tecnológico é o desenvolvimento da Inteligência Artificial, que pode ser verificada em todas as áreas da sociedade.

A Inteligência Artificial insere-se dentro de um conjunto de tecnologias que integram a chamada Quarta Revolução Industrial, expressão trazida por Klaus Schwab no seu livro “A Quarta Revolução Industrial”, publicado em 2016.

O conceito de Inteligência Artificial é: a capacidade de um software se aprimorarsem precisar ser explicitamente programado para isso. Isso ocorre através da aplicação de modelos de aprendizado de máquina, por meio de uma nuvem, que envolve: análise de imagens, vídeos e textos, reconhecimento da fala e tradução para outros idiomas, conforme o Guia sobre análise de dados e aprendizado de máquina para CIO (2017).

Em parceria com a empresa de pesquisa M-Brain, o Google Cloud entrevistou, em 2017, 20 líderes empresariais e de TI que implementaram projetos de aprendizado de máquina sobre as principais vantagens provenientes dos projetos. Os principais benefícios são: economia de tempo, redução dos custos, melhor gerenciamento de risco, melhor qualidade das análises, aumento de receita (M-BRAIN, 2017).

Nesse cenário, já existem carros que dirigem sozinhos (self driving car), como o da Tesla (2019). Apesar de terem potencial para melhorar a segurança pública, diversas questões éticas, jurídicas e técnicas precisam ser debatidas, considerando os pedestres e situações de tráfego, tais como: se um carro autônomo sofrer um acidente, quem será responsável: o fabricante do carro, o designer do software ou o motorista?

Além disso, há a situação que a I.A. pode criar música (GONZAGA; FERNANDES, 2019). Em relação ao direito à propriedade intelectual sobre essa obra criada, surgem indagações como: o dono da produção artística seria o software, seu desenvolvedor ou quem o possui?

Existem, também, os robôs relacionados às profissões como os cuidadores que envolvem uma tecnologia de assistência e reabilitação para idosos, tendo em vista o envelhecimento populacional (ALLISON, 2019).

Na área jurídica, em especial na advocacia, temos o primeiro robô- advogado, Ross, criado em 2016, que foi desenvolvido pela startup canadense, Ross Intelligence, que utiliza a plataforma Watson, da IBM. É capaz de ouvir a linguagem humana, rastrear mais de 10 mil páginas por segundo e formular respostas muito mais rápido do que qualquer profissional. Também, tem a capacidade de rastrear em tempo real os resultados de julgamentos para alertar os advogados sobre qualquer novidade que possa representar um risco ou uma ameaça aos clientes, bem como realizar a interpretação da jurisprudência a partir de casos armazenados em seu banco de dados (ÉPOCA, 2019).

No Poder Judiciário brasileiro, já existem diversos robôs sendo utilizados. Um deles é o Victor, que teve seu projeto iniciado em dezembro de 2017 e é fruto da parceria do Supremo Tribunal Federal (STF) com a Universidade de Brasília (UnB). Em suma, as funções do robô Victor são: auxiliar na separação e na classificação das peças do processo judicial e identificar os principais temas de repercussão geral (STF, 2018).

Essas ferramentas deixam a seguinte dúvida: até que ponto algumas profissões serão necessárias?

Também existem ferramentas de Inteligência Artificial que são usados no Sistema Norte Americano, como o Compas (Propriedade intelectual NorthPoint inc.) que calculam os riscos que aquele indivíduo traz para a sociedade, com base no grau de periculosidade, podendo causar discriminação.

Além disso, o Google, em 2015, anunciou um novo sistema de armazenamento e organização de fotografias que prometia não limitar o espaço na nuvem para os consumidores. Contudo, um usuário percebeu que o programa etiquetava pessoas negras como gorilas, o que resultou numa grande polêmica (HARADA, 2015).

Aliás, a discriminação por parte de algoritmos é um dos desafios do Direito Digital. Como dar respostas à uma sociedade discriminada por códigos que a rotulam, classificam ou humilham?

Igualmente, existem diversas situações queo uso da Inteligência Artificial causou danos ou obtiveram resultados equivocados.

Nos casos envolvendo o reconhecimento facial através da Inteligência Artificial, apesar de terem como fundamento a segurança pública, gera insegurança jurídica, visto que muitos casos o reconhecimento é errôneo.Em 2018, uma pesquisa da ACLU demonstrou que o software de identificação facial Rekognition, da Amazon, identificou 28 membros do Congresso dos Estados Unidosque eram negros como suspeitos da polícia (FUSSEL, 2018).

Há o caso do chat criado pela Microsoft e liberado no Twitter, chamada Tay, que foi feita para conversar com as pessoas de forma divertida, descontraída e natural, mas, em menos de 24 horas, começou a proferir mensagens de cunho racista e ofensivos, devido ao contato com os demais internautas (TECHMUNDO, 2019).

Além disso, existem as deepfakes, isto é, o emprego de Inteligência Artificial para fazer vídeos e imagens, criando pessoas que não existem ou alterando os conteúdos de vídeos, a fim de espalhar notícias falsas, causar fraudes ou prejudicar a honra de alguém. Nesse contexto, a poetisa Helen Mortd descobriu que suas imagens tinham sido enviadas para um site de pornô, sendo que as originais foram copiadas de suas redes sociais e foram mescladas com imagens sexuais explícitas e violentas (ROYLE, 2021).

Dessa forma, o uso da Inteligência Artificial provoca diversos questionamentos aos operadores do Direito, visto que a maioria dos sistemas que utilizam a Inteligência Artificial são “treinados” por seres humanos a partir de uma base de dados.

Ao mesmo tempo em que o emprego de algoritmos para a tomada de decisões traz diversos benefícios, também apresenta riscos que, muitas vezes, não são evidentese podem causar diversos problemas, como discriminação e insegurança jurídica.

Em relação à regularização do uso Inteligência Artificial, em 2017, a União Europeia elaborou a Disposições de Direito Civil sobre Robótica, que contém princípios, responsabilidades e outras regulamentações.

No Brasil, há o Projeto de Lei nº 21/20 que cria o marco legal do desenvolvimento e uso da Inteligência Artificial (IA) pelo poder público, por empresas, entidades diversas e pessoas físicas, além do Projeto de Lei nº 5.051/2019, que estabelece os princípios para o uso da Inteligência Artificial no Brasil. Todas estas questões farão parte do diaadia do Advogado especialista em Direito Digital.

Portanto, os advogados especialistas em Direito Digital são essenciais e devem auxiliar no desenvolvimento de programas que utilizam a Inteligência Artificial, bem como na construção de parâmetros para o uso responsável e adequado da tecnologia, visto que diversos questionamentos e debates vêm surgindo com o seu uso, além de inúmeras situações com repercussão jurídica.

IoT (Internet of things)

O termo Internet of Things (IoT), também conhecido como Internet das coisas, significa o estabelecimento de uma conexão entre as pessoas, as máquinas, os objetos e outros aspectos da vida, em que tudo está ligado à Internet.

Na vida cotidiana, a IoT permite que os celulares, relógios, aparelhos eletrônicos, carros, eletrodomésticos e outros equipamentos estejam conectados entre si, aumentando a agilidade nas tarefas diárias e no monitoramento de questões pessoais, como saúde e segurança.

Dentro de um setor empresarial, a IoT estabelece redes inteligentes que auxiliam na prevenção e resolução de problemas, bem como impulsiona a eficácia dos processos já existentes.

No Brasil, foi publicado o Decreto nº 9.854/19e institui o Plano Nacional de Internet das Coisas no Brasil, estabelecendo conceitos, diretrizes sobre a Internet das Coisas. O Decreto define IoT como “a infraestrutura que integra a prestação de serviços de valor adicionado com capacidades de conexão física ou virtual de coisas com dispositivos baseados em tecnologias da informação e comunicação existentes e nas suas evoluções, com interoperabilidade”.

A IoT também está relacionada ao fenômeno conhecido como Big Data, em que muitos dados são detectados, coletados e processados pelos objetos e computadores, numa velocidade rápida, o que deve preocupar o advogado especialista em Direito Digital, visto que isso pode gerar muitos riscos, como a coleta indevida de dados.

Nos Estados Unidos, um cassino instalou um aquário de peixes utilizando IoT em seu salão, que possuía um cronograma de alimentação dos peixes, assim como os níveis de sal e temperatura eram automaticamente regulados, o termostato podia enviar uma mensagem para o dono caso a água ficasse muito quente ou fria. Um hacker usou o aquário inteligente como ponto de entrada na rede, aproveitou-se da falha de segurança para se mover dentro do sistema informático(GRUSTNIY, 2018).

Apesar de existirem muitas vantagens, é preciso que o advogado especialista em Direito Digital esteja atento aos riscos em razão do uso de dispositivos envolvendo IoT.

Para analisar os riscos quando da utilização da IoT, é preciso considerar os princípios da proteção de dados, como os princípios da privacy by design (desde a concepção) e privacy by default (por padrão).

Portanto, a atuação do advogado especialista em Direito Digital pode ser voltada para a regulamentação e a adequação dos dispositivos, a identificação de riscos e alternativas para mitigá-los, bem como na defesa dos criadores do dispositivo ou dos consumidores quando da ocorrência de um dano.

Startups e Inovação

A definição de uma startup é: empresas que estão em uma fase de desenvolvimento e pesquisa de mercado e podem vir em todas as formas, incluindo aquelas associadas a empresas orientadas para a tecnologia de alto crescimento. As Startups têm modelos de negócio repetíveis, temporários e escaláveis. Os investidores geralmente são mais atraídos pelas novas empresas que se distinguem por seu perfil de risco/recompensa e escalabilidade. Isto é, eles têm custos de inicialização mais baixos, maior risco e maior potencial de retorno sobre o investimento. As startups bem-sucedidas são normalmente mais escaláveis ​​do que uma empresa estabelecida, no sentido de que podem crescer rapidamente com investimento limitado de capital, trabalho ou terra (USLEGAL).

Atualmente, no Brasil há mais de 13.400 startups, sendo o estado de São Paulo o estado que mais possui. Em relação ao público alvo, 47,88% está direcionada ao B2B (STARTUPBASE).

Acesso em: 26/01/2021

Dentro do cenário jurídico brasileiro, há diversas startups voltadas ao Direito, denominadas legaltechs e lawtechs. Segundo a AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs), existem as seguintes categorias:

– Analytics e Jurimetria – Plataformas de análise e compilação de dados e jurimetria.

– Automação e Gestão de Documentos – Softwares de automação de documentos jurídicos e gestão do ciclo de vida de contratos e processos.

– Compliance – Empresas que oferecem o conjunto de disciplinas para fazer cumprir as normas legais e políticas estabelecidas para as atividades da instituição.

– Conteúdo Jurídico, Educação e Consultoria – Portais de informação, legislação, notícias e demais empresas de consultoria com serviços desde segurança de informação a assessoria tributária.

– Extração e monitoramento de dados públicos – Monitoramento e gestão de informações públicas como publicações, andamentos processuais, legislação e documentos cartorários.

– Gestão – Escritórios e Departamentos Jurídicos – Soluções de gestão de informações para escritórios e departamentos jurídicos.

– IA – Setor Público – Soluções de Inteligência Artificial para tribunais e poder público.

– Redes de Profissionais – Redes de conexão entre profissionais do direito, que permitem a pessoas e empresas encontrarem advogados em todo o Brasil.

– Regtech – Soluções tecnológicas para resolver problemas gerados pelas exigências de regulamentação.

– Resolução de conflitos online – Empresas dedicadas à resolução online de conflitos por formas alternativas ao processo judicial como mediação, arbitragem e negociação de acordos.

– Taxtech – Plataformas que oferecem tecnologias e soluções para todos os seus desafios tributários.

– Civic Tech – Tecnologia para melhorar o relacionamento entre pessoas e instituições, dando mais voz para participar das decisões ou melhorar a prestação de serviços.

– Real Estate Tech – Aplicação da tecnologia da informação através de plataformas voltadas ao mercado imobiliário e cartorário.

Como as startups estão cada vez mais ligadas à tecnologia, seja durante o desenvolvimento do negócio ou na criação das soluções, é necessário que um advogado especialista em Direito Digital acompanhe a empresa e dê respostas jurídicas aos desafios impostos por negócios disruptivos e que geram reação de competidores, governos e da sociedade.

A exemplo, temos inúmeros processos que tratam de questões jurídicas relativas ao UBER e aplicativos de transporte privados de passageiros, incluindo processos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que buscam vínculo trabalhista entre motoristas, conforme a decisão a seguir:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INCIDENTE MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO UBER. RELAÇÃO DE TRABALHO NÃO CARACTERIZADA. SHARING ECONOMY. NATUREZA CÍVEL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. 1. A competência ratione materiae, via de regra, é questão anterior a qualquer juízo sobre outras espécies de competência e, sendo determinada em função da natureza jurídica da pretensão, decorre diretamente do pedido e da causa de pedir deduzidos em juízo. 2. Os fundamentos de fato e de direito da causa não dizem respeito a eventual relação de emprego havida entre as partes, tampouco veiculam a pretensão de recebimento de verbas de natureza trabalhista. A pretensão decorre do contrato firmado com empresa detentora de aplicativo de celular, de cunho eminentemente civil. 3. As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma.[…]. (STJ, Conflito de Competência 164544/MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJE 04/09/2019).

Outro conflito judicial é o Recurso Especial (STJ) nº 1.819.075/RS que está relacionado à possibilidade dos condomínios residenciais, por meio de suas convenções, proibirem moradores de oferecem a unidade imobiliária ou parte delas para locação, inclusive por meio de plataformas digitais, como o Airbnb, que é uma startup.

Portanto, a atuação do especialista em Direito Digital pode ser voltada para o auxílio na regularização do negócio, na elaboração de termos de uso e políticas de privacidade para sites e aplicativos, bem como na adequação à Lei Geral de Proteção de Dados. Além disso, poderá atuar de forma multidisciplinar, dando suporte e orientação para investimentos relacionados à tecnologia e nas questões cíveis, societárias, consumeristas e financeiras ligadas ao negócio.

Contratos eletrônicos, e-commerce e marketplaces

Como muitas relações são estabelecidas no ambiente virtual, uma área que vem ganhando destaque é o Direito Contratual. Desde a compra de um produto e até a contratação de um serviço digital, é preciso realizar um contrato para estabelecer as obrigações de cada parte, bem como identificá-las.

Além disso, cumpre destacar o desenvolvimento do e-commerce, fator que também reforça o aumento de contratos celebrados no ambiente virtual.

O conceito de contrato eletrônico é: contrato em que sua celebração depende da existência de um sistema informático, ou da intercomunicação entre sistemas informáticos. As categorias de contratos eletrônicos são: 1) interpessoal: a comunicação ocorre entre as partes; 2) intersistêmico: os sistemas informáticos se intercomunicam-se por meio de comandos automáticos; e 3) interativo: é o resultado de uma relação de comunicação estabelecida entre uma pessoa e um servidor de aplicação (BRANCHER, 2018).

Uma opção para garantir a autenticidade, validade jurídica e integridade dos documentos celebrados no ambiente digital, é a utilização de assinatura eletrônica (ICP- Brasil ou Assinatura Digital biométrica), o que representa uma forma de proporcionar segurança jurídica.

No Brasil, já existem decisões reconhecendo a validade jurídica de contratos eletrônicos, incluindo os não efetivados por meio de assinatura digital, como nas as denominadas “telas sistêmicas” ou contratos interativos. Além disso, já se reconhece até mesmo a possibilidade de execução de contratos digitais.

Nesse sentido, cumpre colacionar as seguintes decisões:

Processual civil. Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Exceção de pré-executividade. Contrato eletrônico. Assinatura digital. Validade. Inclusão do fiador após a citação do executado. Possibilidade. Art. 264 do CPC (LGL\2015\1656)

APELAÇÃO – AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – CONTRATAÇÃO REALIZADA POR MEIO ELETRÔNICO – DOCUMENTOS APRESENTADOS PELA PARTE REQUERIDA – ESGOTAMENTO DA OBRIGAÇÃO – PRESENÇA DE PEDIDO ADMINISTRATIVO – RESISTÊNCIA AO PEDIDO INICIAL – HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA DEVIDOS – MAJORAÇÃO – POSSIBILIDADE. A parte requerida trouxe aos autos todos os documentos inerentes à relação jurídica firmada entre as partes, possibilitando a verificação de todos os encargos que recaem sobre o contrato, razão pela qual esgotada está a sua obrigação. Nos casos em que a celebração do contrato se dá por meio eletrônico, não há falar em exibição do instrumento de contrato impresso e devidamente assinado pelas partes, uma vez tal documento não existe. A parte que recusa apresentar documentos dá causa ao ajuizamento da ação exibitória e, por conseguinte, deve arcar com os ônus de sucumbência.  (TJMG – Apelação Cível 1.0290.14.009126-2/001, Relator: Des. Alberto Henrique, 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/10/2015)

MONITÓRIA. EMPRÉSTIMO. DEMONSTRAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA. 1. O contrato eletrônico, autenticado digitalmente, é documento hábil a demonstrar existência de relação jurídica entre as partes. 2. Nada nos autos infirma a existência da dívida, ao contrário. Há elementos suficientes a corroborar existência e valor do débito perseguido. 3. Observando-se que a sentença não deve ser reformada, porquanto irretocável sua análise dos fatos e fundamentação, possível a confirmação do resultado, ratificando aqueles fundamentos, nos termos do art. 252 do Regimento Interno desta Corte. 4. Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 1026263-69.2017.8.26.0224; Relator: Melo Colombi; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 16/12/2020)

Portanto, o advogado especialista em Direito Digital deve ser criativo para prever situações que podem trazer consequências negativas para o seu cliente, bem como poderá auxiliar as partes durante a celebração do contrato, bem como realizá-los, através de plataformas online de assinatura de contratos, blockchain ou smart contracts, que serão analisados posteriormente.

PERSPECTIVAS E DESAFIOS NO DIREITO DIGITAL

E os ânimos neste ponto são bem acirrados. O Brasil já possui diversas ações judiciais importantes no âmbito do Direito Digital, tais como:

– Supremo Tribunal Federal – Recurso Extraordinário nº 1.057.258: apesar de ainda não ter sido julgado, discute o dever de empresa hospedeira de sítio na internet fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem intervenção do Judiciário.

– Supremo Tribunal Federal – Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 51: o compartilhamento de dados controlados por provedoresde acesso à internet sediados no exterior, em razão do crescimento e dependência da obtenção desses dados como elemento deevidência na persecução criminal.

– Supremo Tribunal Federal – Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.527 e Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 403: possibilidade de decisões judiciais autorizarem o bloqueio de serviços de mensagens pela internet, como WhatsApp.

– Supremo Tribunal Federal – Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 6.387: decisão que reconheceu o direito fundamental autônomo à proteção de dados pessoais e o direito à autodeterminação informativa.

Além disso, o volume de reclamações em delegacias cresce e, por outro lado, não existe especialização e pessoas suficientes para atender todos os casos, pois faltam profissionais na área.

Todos estes fatores somados ao crescimento de novos meios de comunicação e a onda de negócios digitais influenciados pela mentalidade das startups faz como que este universo da advocacia no Direito Digital tenda a crescer cada vez mais e se consolidar como uma das áreas mais promissoras do direito. Cresceu a demanda e procura por escritórios especializados em tecnologia e digital, por agências de marketing digital por exemplo, buscando respaldo em suas ações variadas e de “inbound marketing“, bem como por startups, afiliados em negócios digitais, influenciadores digitais preocupados com licenciamento de imagem e conteúdo (direitos autorais) e fábricas de aplicativos.

Em relação às regulamentações, a União Europeia elaborou o “The Digital Services Act package”, que abrange um conjunto de regras que regrem os serviços digitais e possui os escopos: 1) criar um espaço digital mais seguro no qual os direitos fundamentais de todos os usuários de serviços digitais sejam protegidos; 2) estabelecer condições de concorrência equitativas para promover a inovação, o crescimento e a competitividade.

No Brasil, podemos mencionar o Projeto de Lei nº 2.630/2020, também denominada Lei das Fake News, que estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei.

Também há o Decreto nº 9.283/2018 que regulamenta a Lei de Inovação (Lei nº 10.973/2004, modificada pela Lei nº 13.243/2016), a Lei das Licitações (art. 24, § 3º, e o art. 32, § 7º, da Lei nº 8.666/1993), o art. 1º da Lei nº 8.010/1990 (Lei de Importações de bens destinados à pesquisa científica e tecnológica) e o art. 2º, caput, inciso I, alínea g, da Lei nº 8.032/1990 (Lei de Isenção de Impostos de Importação – Empresas),e estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

Assim, os principais desafios do advogado especialista em Direito Digital é acompanhar as mudanças tecnológicas e as alterações legislativas, para atender de forma cada vez mais eficiente e atualizada.

TENDÊNCIAS NO DIREITO DIGITAL

As tendências no Direito Digital, como IoT, Inteligência Artificial,blockchain, bitcoin, demandarão mais ainda o profissional do Direito Digital, que deve ser capaz de “pensar fora da caixa” e de dar soluções ágeis para manutenção da segurança jurídica das operações, no dinamismo que elas acontecem, equacionando a balança entre “inovar” e “estar em conformidade”. Isso não é fácil. Dentre as novas tendencias, podemos citar:

  • Métodos On-line de Resolução de Disputas (ODRs)

O aumento da quantidade das disputas e dos litígios é um efeito colateral da inovação, visto que as interações acontecem cada vez mais no espaço digital.

Por sua vez, fatores como a evolução tecnológica e a globalização permitem que se estabeleça formas de usar a tecnologia também para resolver os conflitos.

Nesse cenário, surge o Online Dispute Resolution Systems (ODR) ou mecanismos online de resolução de conflitos, que é uma forma mais célere e econômica de resolver conflitos, além de evitar desgastes emocionais com o encontro presencial.

No Brasil, temos uma plataforma de solução de disputas desenvolvida pelo Ministério da Justiça do Governo Federal, que se chama consumidor.gov.br.

Portanto, o advogado especialista em Direito Digital deve atentar-se a essas novas formas de solucionar os conflitos, buscando simplificar e agilizar a resolução do conflito do cliente, sem deixar de lado a segurança jurídica.

  • Smart contractsblockchain

smart contract são contratos digitais autoexecutáveis (self-enforcement), que usam determinada tecnologia, como ablockchain, para garantir a execução dos acordos estipulados, independente da intervenção humana. Para tanto, através de um programa de computador, são elaborados os termos contratuais, sendo que o contrato será cumprido até o final, não permitindo alterações entre as partes.

blockchain é uma tecnologia descentralizada de dados onde se tornam possíveis as transações digitais com as criptomoedas. O conceito blockchain surgiu em 2008 no artigo acadêmico “Bitcoin: Um sistema financeiro eletrônico peer-to-peer”, elaborado porSatoshi Nakamoto (2008).

Apesar de não haver regulamentação legal no direito brasileiro, é preciso verificar se a situação que está sendo celebrado o smart contract está em consonância com os princípios norteadores dos contratos, como o da autonomia da vontade.

Alguns projetos de Lei que tratam de blockchain e Criptomoedas no Brasil são:

– Projeto de Lei nº 2.060/2019 que dispõe sobre o regime jurídico de Criptoativos;

– Projeto de Lei nº 3.443/2019 que dispõe sobre a Prestação Digital dos Serviços Públicos na Administração Pública – Governo Digital e prevê o uso da blockchain;

– Projeto de Lei n° 3.949/ 2019 que regulamenta a utilização de moedas virtuais e o funcionamento de empresas intermediadoras dessas operações;

– Projeto de Lei n° 4.207/2020que dispõe sobre os ativos virtuais e sobre as pessoas jurídicas que exerçam as atividades de intermediação, custódia, distribuição, liquidação, transação, emissão ou gestão desses ativos virtuais.

Como visto, dentro do Direito Digital, a especialização em negócios com base na blockchain ou de criptoativos demonstra-se promissora, considerando que a tecnologia se consolida e impõe desafios para os negócios que estão surgindo, demandando profissionais especializados no ambiente regulatório.

Do mesmo modo, como o smart contract está revolucionando os negócios jurídicos, o advogado especialista em Direito Digital deve auxiliar as partes quando da elaboração do contrato, bem como utilizá-lo para facilitar o dia a dia, a fim de agilizar e conferir segurança nas relações acordadas. Em breve, estes especialistas programarão contratos autoexecutáveis.

  • LGPD: eficácia da lei e a atuação da ANPD

Com a entrada em vigor da LGPD em setembro de 2020, haverá uma crescente procura por advogados especialistas em Direito Digital e Proteção de Dados para regularização dos negócios ou atuação em casos pontuais envolvendo questionamentos e tratamentos irregulares de dados, sobretudo, diante das multas previstas na LGPD que poderão ser aplicadas a partir de agosto de 2021.

Assim, muitas empresas vão entrar numa corrida contra o tempo para se adequarem, o que representa uma oportunidade para os advogados do Direito Digital. Sobre o tema, veja o artigo sobre as 10 oportunidades rentáveis para advogados com o advento da LGPD (https://josemilagre.jusbrasil.com.br/artigos/698996875/lei-geral-de-protecao-de-dados-10-oportunidades-rentaveis-de-atuacao-para-advogados).

Em relação à ANPD, espera-se que após o início de suas atividades, muitas questões sejam devidamente regulamentadas e esclarecidas, bem como realize suas atribuições previstas na LGPDcom êxito.

Dessa forma, no ano de 2021 haverá muitas oportunidades para os advogados especialistas em Direito Digital, visto que as empresas estão cada vez mais buscando a adequação à LGPD.

  • Legal design

Em uma realidade em que muitos serviços legais são realizados por meio de plataformas, como ODR e startups, os advogados especialistas em Direito Digital precisam estar atentos às formas de entregar os seus serviços e realizar a comunicação.

Margaret Hagan, em seu livro “Law by desgin”,afirma que o legal design é uma forma de avaliar e criar serviços jurídicos, com foco em quão utilizáveis, úteis e envolventes são esses serviços. É uma abordagem com três conjuntos principais de recursos – processo, mentalidade e mecânica – para os profissionais jurídicos usarem. Esses três recursos podem ajudar a conceber, construir e testar melhores maneiras de fazer as coisas na lei, que irão envolver e capacitar leigos e profissionais do direito.

Nesse contexto, olegal design, inspirado no Design Thinking, tem o escopo encontrar soluções estratégicas e inovadoras no mundo jurídico, a partir da intersecção do Design, Tecnologia e Direito.

Assim, o advogado especialista em Direito Digital, através do legal design, estabelecerá uma comunicação legal inteligente, tornando os documentos jurídicos mais acessíveis e compreensíveis, principalmente com os seus clientes. Além disso, auxiliará na desburocratização do acesso à justiça, facilitando a interpretação.

COMPETÊNCIAS DESEJÁVEIS DO ADVOGADO ESPECIALISTA EM DIREITO DIGITAL

Não existe uma “formação obrigatória” para atuar com Direito Digital. No entanto, é lógico que é desejável, além do conhecimento jurídico, profundo conhecimento de tecnologia da informação.

Com a multiplicação de cursos e pós-graduações em Direito Digital e da tecnologia da informação, a concorrência também ficou maior do que há quinze ou dez anos atrás, razão pela qual espera-se deste profissional mais do que breves noções ou “paixão” em tecnologia, redes, protocolos, mas, de fato, que entenda como as principais tecnologias  funcionam, sobretudo em procedimentos de quebras de sigilo informático, em que um erro de interpretação ou cálculo de fuso-horários por exemplo, pode ser fatal e indicar pessoas sem qualquer relação com um incidente informático ou crime digital.

Como se pode ver, atualização é palavra constante para o profissional que deseje atuar com direito, tecnologia e inovação. Mais que isso, espera-se que o advogado especialista em Direito Digital conheça técnicas de coleta de provas eletrônica, mas, principalmente, que tenha em mente que advogar em Direito Digital exige um dinamismo fora do comum em comparação com outras áreas do Direito, o que demandará dos profissionais atualização constante e muitas horas dedicadas ao estudo de tecnologias incluindo, mas não se limitando a redes, segurança da informação, programação, perícia forense digital e outras habilidades.

Portanto, para que o advogado especialista em Direito Digital domine sua área de atuação, é importante o comprometimento com o estudo e a frequente busca pelo conhecimento profissional, a fim de atuar com segurança e acompanhar a evolução tecnológica.

CONCLUSÃO

Como visto, foi possível compreender o que é o Direito Digital, quais as oportunidades na área, as competências necessárias, qual o foco de atuação deste profissional, e, inclusive apresentar as tendências que prometem movimentar o mercado.

O advogado especialista em Direito Digital vai necessitar de uma visão cada vez mais multidisciplinar para ser capaz de “pensar fora da caixa” e de dar soluções ágeis para manutenção da segurança jurídica das operações, no dinamismo que elas acontecem na sociedade da informação.

Hoje, todos os advogados devem entender de tecnologia, razão pela qual é comum que muitos se enveredam para as causas do Direito Digital e não somente usem a informática jurídicas, para terem escritórios mais eficientes e atrativos.

Para crescerem, empresas e pessoas precisam estar juridicamente preparadas para o mundo digital, razão pela qual precisam do profissional do Direito Digital, que poderá atuar de forma preventiva ou contenciosa nas inúmeras questões que podem surgirquando da utilização da tecnologia.

Em uma sociedade digital, sobretudo pósCOVID-19, os ataques e golpes cibernéticos aumentarame a defesa dos direitos de vítimas precisa ser exercida por profissionais preparados.

A medida em que a tecnologia evolui impõe-se novos desafios jurídicos. O advogado em Direito Digital tem este relevante papel, servido como o eloentre as pessoas e seus direitos, a partir de violações e problemas trazidos pela tecnologia, cada vez mais comuns e que se renovam a cada dia.

Portanto, o advogado especialista em Direito Digital deve estar preparado para atender as demandas que ocorrem no ambiente virtual, capacitando-se, a fim de proporcionar segurança jurídica e proteção aos usuários. Além disso, esse profissional nunca foi tão essencial. Não só para defender vítimas de crimes digitais, apurar autoria de crimes e buscar justiça diante de fotos danosos ou desavenças cometidas ou originadas no ciberespaço, mas tem grande propósito: Por meio de sua atuação, sempre diligente e atenta aos rumos das tecnologias e suas consequências, conscientizar e educar a sociedade para riscos do mundo digital, contribuindo para uma sociedade mais evoluída e segura. Acredito que com isso respondo à pergunta do título deste artigo.

COMO COMEÇAR?

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José Antonio Milagre (https://app.exeed.pro/holder/badge/55319) Data Protection Officer (DPO) EXIN. Pesquisador em direito e dados do Núcleo de Estudos em Web Semântica e Análise de Dados da USP (Universidade de São Paulo). Mestre e Doutorando em Ciência da Informação pela UNESP. Pós Graduado em Gestão de Tecnologia da Informação. Advogado com atuação em Direito Digital. Perito Judicial em Informática e Proteção de Dados. Presidente da Comissão de Direito Digital da Regional da Vila Prudente da OAB/SP. Autor de dois livros pela Editora Saraiva (Marco Civil da Internet: Comentários a Lei 12.975/2014 e Manual de Crimes Informáticos).

Laura Secfém Rodrigues. Pós-graduanda em Direito, Tecnologia e Inovação com ênfase em proteção de dados, no Instituto New Law. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Bauru/SP, mantido pela Instituição Toledo de Ensino (ITE).

© 2021. Proibida cópia ou reprodução sem autorização prévia e expressa do autor: [email protected]

 

REFERÊNCIAS

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Vazam senhas dos principais sites de e-commerce brasileiros: Como se proteger e o que diz o direito digital

Em 17 de julho foi divulgado pelo Tecmundo a notícia de um arquivo disponibilizado via Pastebin, com nome de usuários e senhas para as principais plataformas de ecommerce do Brasil e alguns serviços de hospedagem. Estão na lista Netshoes, Extra, Centauro, Casas Bahia, PagSeguro, Terra, eFácil, Ponto Frio, HostGator etc.

Não se pode afirmar seja autêntica, o fato é que existem aproximadamente 360 logins e senhas e segundo o site o arquivo poder ser uma amostra. Não se trata de um vazamento em massa, porém alguns alertas são válidos. O site não divulgou o arquivo pois logicamente poderia ser utilizado por criminosos.

Ao que parece as contas publicadas estavam desativadas. De qualquer maneira, as vitimas devem diante deste cenário trocar imediatamente as senhas destes serviços. Caso a senha não entre, pode ter sido alterada, momento em que é importante um contato telefônico com as lojas virtuais. É preciso rememorar quais sites online o usuário já comprou e para isso, vale avaliar a caixa de correio eletrônico e outros documentos digitais.

Não se sabe se os dados foram obtidos por meio de phishing scam (e-mails e sites falsos) ou por meio de algum código malicioso nos clientes. Neste sentido, aqueles que perceberem qualquer atividade anômala poderem realizar uma perícia digital em seu equipamento, através de um especialista, de modo identificar a origem de alguma exploração maliciosa. Não é porque conseguiram acesso a conta que hackers poderão comprar produtos, mas no mínimo podem ter acesso a dados cadastrais e em alguns casos sim, acesso a dados cartões de crédito.

De se destacar que diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos a lei obriga as empresas a reconhecerem e publicarem os vazamentos de dados. Aqui, o projeto de proteção de dados pessoais trata deste tema, mas longe está de ser uma legislação. As lojas Centauro e Netshoes se manifestaram no sentido de não terem sofrido qualquer ataque, o que leva a crer tenham os dados coletados ou obtidos diretamente dos consumidores.

Logicamente, as vitimas, caso a vulnerabilidade seja nas lojas virtuais, poderão buscar a reparação judicial e a responsabilização das mesmas pelos danos causados, considerando que disponibilizaram um serviço “em tese” vulnerável e que pode ter lesado o consumidor. Por outro lado, se a loja demonstrar em juízo por meio de uma perícia em informática que seu sistema não foi violado, comprovando culpa exclusiva do consumidor ou exploração de vulnerabilidade em seu equipamento, pode não ser condenada a reparar e ser absolvida de um processo ou ação reparatória. A batalha é técnica e consiste em provar quem estava seguro e quem estava vulnerável e quem deu causa ao vazamento dos dados. Um especialista (expert do juízo) pode ser nomeado para solucionar a controvérsia.

Seja como for, para o Direito Digital, sem prejuízo do crime pela obtenção indevida de dados, o acesso indevido por meio login e senha, violando mecanismo de segurança ou autenticação é crime, previsto na lei de crimes informáticos, lei 12.737/2012 (Carolina Dieckman) . É possível, igualmente, medida judicial em face do Pastebin, para que forneça os registros de acesso à aplicação daqueles que postaram o conteúdo. Embora a principio permita colagens anônimas, não se admite que o serviço não registre de alguma forma os dados de conexão de seus utilizadores.

José Antonio Milagre é advogado especializado em Direito Digital e Crimes na Internet. Perito em Informática.
facebook.com/josemilagreoficial




A extorsão digital Ransonware e a perícia digital e computação forense.

O recente episódio envolvendo o worm WannaCry aclarou de forma única a ameaça muito comum atualmente, a qual muitas empresas e pessoas já experimentaram de forma trágica. O ataque ransonware. O WannaCry foi massificado com uso de um exploit, aparentemente obtido da NSA.

O exploit explorava uma desatualização do sistema Windows, da Microsoft, que lançou informações sobre como se proteger contra o worm, incluindo a implantação do patch MS17010, atualização do Windows Defender, bem como a não utilização do SMBv1.

O ransonware criptografa o disco das vitimas e exige um resgate para o envio da chave necessária para recuperar os arquivos. Estima-se mais de 74 países afetados em 45 mil ataques. No Brasil, inúmeros órgãos públicos ficaram fora do ar. Estes eventos demonstram a importância de prevenção, mas principalmente, de respostas forenses adequadas. O que um time de resposta pode imaginar é que basta desconectar a máquina infectada, impedindo que se prolifere pela rede, infectando as demais, reduzindo o poder do ataque. Mas a questão é: Como saber qual máquina foi a gênese do worm em uma rede?

A computação forense em Ransonware é embrionária, mas já tem valores e consenso em alguns pontos. Uma iniciativa interessante é o script PowerShell que, sabendo que o ransonware sobrescreve na NTFS arquivos por versões cifradas, é capaz de responder quando um arquivo é gravado, enviando e-mail e demonstrando as unidades mapeadas, logo, destinado à detecção e contenção do ataque. Pode-se inclusive tentar matar o processo relativo ao worm. [1]

Outra trilha valiosa é lecionada por Chris Brewer, da Nuix, que infectando-se com o CryptVault, realizou análise de rede, sistemas de arquivos e processos, de modo a determinar o host de origem do ataque, valendo-se ferramentas como Wireshark, Regshow, Processes Monitor e NetworkMiner.[2]

Algumas orientações são importantes diante de um ataque. Inicialmente, deve-se determinar qual tipo e versão do ransonware atacou a rede. Por exemplo, em sendo CryptoLocker, já se tem roteiros de recuperação de dados. [3]

Posteriomente a) deve-se determinar o vetor inicial do ataque, b) deve-se estimar a origem do mesmo, ou seja, como ele chegou à rede, e-mails em anexo, compartilhamento de arquivos, exploits, executáveis ou ameaças externas; c) pode ser possível identificar o numero da carteira bitcoin no e-mail de resgate.

A perícia poderá examinar evidências digitais de sistemas comprometidos para levantar artefatos de origem e de conexões remotas e demais dados. Uma outra fase pode, dependendo do ransonware, resultar em um trabalho de decodificação dos arquivos. Comumente, porém, o perito poderá ajudar no processo de negociação, com redução do valor do resgate afim de recuperar arquivos críticos.

Por fim, minimizado o dano causado, a equipe de computação forense poderá atuar na remediação, juntamente com a equipe de segurança digital, atuando para evitar explorações no futuro e cuidando para que o ambiente esteja realmente limpo.

As recomendações adicionais de respostas para um ataque desta natureza são a) desconectar o dispositivo afetado da rede, evitando que ataque acesse as unidades compartilhadas; b) muito cuidado com ações impensadas, como tentativas de recuperação (adicionar drives) em ambientes ainda infectados ou cópia de arquivos; c) conheça quais as opções diante do ataque e d) conte com o apoio de uma consultoria em computação forense especializada, sobretudo para a cópia bit-a-bit da unidade encriptada para eventualmente ser decodificada no futuro, caso nada seja possível ser feito no momento.

Um ataque de ransonware não precisa ser sobre dinheiro, podendo ser um ataque a uma delegacia de polícia ou órgão público para queima de provas, por exemplo. E se o atacante não quer dinheiro, os dados nunca mais serão recuperados (Como o ocorrido com Departamento de policia de Cocrell Hill, em caso recente.) Neste sentido, prevenção também é fundamental.

Portanto, contanto não se possa afirmar ser possível em todos os casos a recuperação integral dos arquivos, resta demonstrada que o papel do perito digital é indispensável na contenção, coletas e preservação das evidências, bem como na minimização do dano, com a possibilidade de identificação da origem do ataque, bem como de recuperação parcial ou futura dos dados.

Notas:

[1] http://www.freeforensics.org/2016/03/proactively-reacting-to-ransomware.html

[2] https://www.nuix.com/blog/ransomware-part-4-analyzing-results

[3] https://threatpost.com/forensics-method-quickly-identifies-cryptolocker-encrypted-files/103049/

José Antonio Milagre
Advogado. Perito em Informática. Mestre e Doutorando em Ciência da Informação pela UNESP, Coordenador da Pós-Graduação em Computação Forense pelo ESB – Brasília. Árbitro de tecnologia da CIAMTEC.br
E-mail: [email protected] Website: www.direitodigital.adv.br




O crime não está seguro por trás das criptomoedas. Rastreamento, pericia digital e computação forense em casos envolvendo Bitcoins e BlockChain

A descentralização do sistema das criptomoedas tem levantado no mundo uma série de desafios acerca da possibilidade utilização do sistema por cibercriminosos, notadamente em questões envolvendo lavagem de dinheiro. Alguns países do mundo, aliás, partiram para a regulamentação especificamente da questão envolvendo o uso indevido para a lavagem. Outros países continuam observando o desenvolvimento e implicações do uso das criptomoedas.

Porém, ao contrário do que muitos imaginam, embora as transações de criptomoedas possam ser consideradas “seguras” ou privadas, já se discute na comunidade científica e acadêmica técnicas forenses para investigações envolvendo o tema. Do mesmo modo, alguns casos já reportados de investigações com sucesso envolvendo uso indevido de criptomoedas ou para finalidades criminosas. Sara Meiklejohn et al. escreveram a pesquisa “A Fistful of Bitcoins: Characterizing Payments Among Men with No Names”[1] onde apresentam desafios para localizar o uso de Bitcoin para atividades criminais e fraudulentas.   Michael Doran (2015), propôs em seu paper “A forensic look at bitcoin cryptocuyrrency” [2]  a análise de um sistema apreendido, envolvendo clonagem de HD, memória e outros artefatos, tendo recuperando informações sobre a mineração de moedas e até mesmo sobre aplicações de carteira virtual, tendo ainda recuperado transações realizadas pelos aplicativos Wallets. A análise de memória RAM corroborou inclusive os endereços dos bitcoin wallets.

A experiência foi feita com Bitminer, ferramenta de mineração, Multibit, carteira Bitcoin para Windows, Bitcoin-QT, outro Bitcoin Wallet e as ferramentas forenses Encase 6.19.7, Tableau, Internet Evidence Finder e Winen.exe para coleta de memória.

No mundo, iniciativas como ChainAnalysys [3] atuam prestando soluções forenses contra a lavagem de dinheiro em Bitcoins. A ferramenta Reactor promete rastrear os criminosos digitais. Por sua vez, a empresa Elliptic [4] oferece serviços de detecção de atividades ilegais na cadeia de Bitcoin, tendo se unido a LexisNexis e também a Internet Watch Foundation (IWF) para combater aqueles que usam bitcoins para comprar conteúdos audiovisuais de pornografia infantil online.

O serviço consegue cavar através de suspeitos e ligar transações em conjunto para determinar para onde o dinheiro está se movendo. Do mesmo modo, criminosos já respondem por crimes praticados em uso ao Bitcoin. Ross Ulbricht, um americano de 31 anos, que criou a SilkRoad, um mercado Bitcoin que facilitou a venda de um bilhão de dólares em drogas ilegais, foi condenado à prisão perpétua em fevereiro de 2015. Pelo mundo, inúmeras outras pessoas apreendidas por lavagem e dinheiro. Como se sabe, a maioria das pessoas usam os Bitcoins de forma legal, mas o suposto anonimato também pode ser considerado uma arma para usos indevidos.

O consultor geral do FBI Breth Nigh chegou a dizer  em setembro de 2015 que os investigadores já podem “seguir o dinheiro”. Bitcoins podem ser considerados quantidades associadas a endereços como por exemplo “1Ez69SnzzmePmZX3WpEzMKTrcBF2gpNQ55” representando 30.000 bitcoins apreendidos na SilkRoad, o que equivaleria a 20 milhões de dólares à época e que aparentemente foi leiloado pelo Governo Norte-Americano.

Todas as transações são de conhecimento público. A propriedade de cada Bitcoin é registrada na cadeia de blocos ou blockchain. De fato, o que pode permanecer oculto é a verdadeira identidade dos proprietários dos Bitcoins, pois estes não cadastram nomes, mas uma sequencia numérica que os identifica na cadeia de blocos. Por outro lado, assim que um bitcoin é gasto, uma trilha ou processo forense pode se iniciar. No caso do SilkRoad os investigadores precisavam descobrir os IPs associados às transações, porém estavam diante de um desafio pois os usuários bitcoin estão conectados em uma rede peer-to-peer. Neste caso, apurar a autoria do crime se deu por um descuido do mantenedor do serviço e não por falha na segurança na cadeia.

Porém outras iniciativas de sucesso na recuperação de dados de conexão já foram reportadas: Em 2014 estudantes de pós-graduação na Penn State criaram uma versão de software para vendedores e compradores de bitcoins, uma espécie de “espiamule das moedas”, com o escopo de verificar tudo que acontecia. Eles conseguiram mapear endereços de IP de mais de 1000 endereços Bitcoin tendo inclusive divulgado a técnica em um paper denominado “An Analysis of Anonymity in Bitcoin Using P2P Network Traffic” [5]

Esta pesquisa nos apresenta uma reflexão importante sobre “o outro lado da moeda” do “pseduo-anominato” das transações em bitcoins. Se você prender um traficante de drogas nas ruas, você pegou um criminoso praticando um crime. Agora se você conseguir prender o mesmo criminoso usando alguns serviço atrelado a bitcoins, você pode descobrir todo o seu histórico delituoso, sua contabilidade. Em síntese, é preciso alertar que se há 2 (dois) anos atrás muitos se vangloriavam do total anonimato proporcionado nas transações bitcoin, hoje esta certeza não é mais absoluta, como aliás, nada é cem por cento seguro e tudo depende dos elos da corrente. Logicamente, esta é uma discussão longe de se finalizar e que envolve muitas forças.

Estuda-se sobre a criação de outras criptomoedas baseadas em estruturas mais “anônimas” (como a Shadow [6] e iniciativa ZeroCoin [7]) e até mesmo a possibilidade de alguns governos lançarem suas criptomoedas, logicamente, sem qualquer privacidade. Já se fala em técnicas “antiforense” como misturadores ou mixers, dark wallets, dentre outras. Já se fala em práticas que reduzem a privacidade, como a reutilização de endereços, bem como dos riscos de se manter chaves privadas em computadores, sujeitos às mais variadas ameaças (Já se apresenta até mesmo o Trezor [8], um hardware para armazenar as chaves e que seria mais seguro).

Nesta busca pela privacidade, a tentativa de se anonimizar pode tapar a cabeça e destapar os pés, como alertou Alex Biyukov e Ivan Pustogarov em “Bitcoin over Tor insn’t a good idea”[9], ao aplicarem que a utilização de Bitcoins sobre TOR pode dar brechas a inúmeras outras falhas de segurança.

Como visto, a propriedade de Bitcoins pode ser extremamente difícil de se provar, considerando inúmeros fatores, bem como que a chave privada pode estar nas mãos de terceiros, ocultada ou armazenada de várias maneiras, não existindo, em um primeiro momento, dada a descentralização da cadeia, um lugar para endereçar uma ordem judicial para quebra de IPs de um usuário. Por outro lado, considerando as pesquisas e experimentos em andamento pelo mundo, não se pode mais afirmar com 100% de segurança que criminosos podem se ocultar tranquilamente por trás da plataforma. Grandes são os esforços e iniciativas para aprimorar a privacidade e anonimizar o ambiente, assim como inúmeros são os projetos e pesquisas no escopo de fornecer elementos para condução de perícias, investigações e trilhas de rastreamento de transações usadas para prática de crimes ou para finalidades ilícitas.

 

Referências

 [1] https://cseweb.ucsd.edu/~smeiklejohn/files/imc13.pdf

[2] https://www.sans.org/reading-room/whitepapers/forensics/forensic-bitcoin-cryptocurrency-36437

[3] https://www.chainalysis.com/

[4] https://www.elliptic.co/

[5] https://pdfs.semanticscholar.org/c277/62257f068fdbb2ad34e8f787d8af13fac7d1.pdf

[6] https://shadowproject.io/en

[7] http://zerocoin.org/

[8] https://shop.trezor.io/?a=6x7dt4qkzfir

[9] https://arxiv.org/abs/1410.6079

 

 

José Antonio Milagre

Advogado. Perito em Informática. Mestre e Doutorando em Ciência da Informação pela UNESP, Coordenador da Pós-Graduação em Computação Forense pelo ESB – Brasília. Árbitro de tecnologia da CIAMTEC.br

E-mail: [email protected] Website: www.direitodigital.adv.br

09.05.2017

 




O Jogo do suicídio “Desafio da Baleia Azul” (Blue Whale), proteção e aspectos Jurídicos

Imagine um jogo online em que a dinâmica é desafiar jovens a experimentar desafios insanos e que colocam a própria vida em risco. Esta é a dinâmica do jogo “Desafio da Baleia Azul” (Blue Whale), um jogo em que alguém manipula e dá ordens para serem cumpridas pelo jogador. Crianças e jovens estão sendo coagidas a participar do game no Facebook e até mesmo no WhatsApp. Para participar é necessário ser convidado. Conforme vai cumprido as “missões”, o usuário deve postar nas redes sociais. Existem missões como “assistir filmes de terror na madrugada”, “riscar a pele com faca”, dentre outras.

Estima-se aproximadamente 50 missões, sendo a última a prática do suicídio. O Jogo ganhou popularidade na Rússia, vitimando mais de 100 jovens e já tem usuários no Brasil. Além disso, existe o risco de ameaça de criminosos com os dados pessoais de jovens, fazendo com que façam ou deixem de fazer algum ato. Não é de hoje a paixão de jovens por desafios online, por outro lado igualmente, muitos “desafios” constituem-se em instrumentos de práticas criminosas.

Uma das primeiras vítimas do Jogo
Uma das primeiras vítimas do Jogo

Na França por exemplo, o Governo tem feito uma campanha com a hashtag #bluewhalechallenge publicando inclusive a mensagem “Nenhum desafio merece que você arrisque sua vida”. No Brasil, a polícia já investiga casos de uso do jogo por jovens. O desafio é repassado por meio de grupos e mensagens no Whatsapp e Facebook.

A abordagem no Brasil se dá em redes sociais onde o criminoso ou “curador” apresenta dados pessoais e até mesmo o IP de jovens e os constrange a participar do desafio. De se destacar que normalmente são jovens que estão fragilizados, muitas vezes coagidos e constrangidos com a divulgação de informações pessoais que na verdade já são públicas, sendo que sequer atentam a este fato.

O alerta é conscientização! Converse com seu filho, aluno, colega, amigo e alerte dos riscos e para que o diálogo ocorra caso sejam constrangidos ou coagidos a participarem do desafio. As vitimas do crime digital ou seus pais podem realizar a quebra de sigilo informático judicialmente, com apoio no Marco Civil da Internet, por meio de um advogado especializado ou mesmo autoridade policial, para identificar os cibercriminosos que, se identificados, podem responder por lesão corporal grave, caso as vitimas tenham se mutilado ou praticado “cutting”.

O criminosos virtuais também podem responder por induzimento ou instigação ao suicídio, caso as vítimas efetivamente deem cabo à própria vida. A pena pode chegar a seis anos de reclusão de acordo com o art. 122 do Código Penal.

Se as pessoas por trás do desafio forem menores, cometerão ato infracional, sujeitando-se às penalidades do Estatuto da Criança e do Adolescente. Já no aspecto cível, as famílias e vitimas poderão ingressar com ação reparatória pelos danos causados, que serão ressarcidos pelos pais dos menores manipuladores ou curadores por trás do game, ou pelos próprios criminosos, se maiores. Informe-se e informe, esclareça sobre a demência de desafios desta natureza e principalmente, esteja ciente que as provas do assédio ou da participação no jogo estão nos meios eletrônicos, momento em que é importante preservar as evidências, chats ou mesmo recuperá-las, se apagadas, para que possam servir de base para eventual medida para apurar autoria e responsabilizar os criminosos.

José Antonio Milagre, advogado e perito especializado em Direito Digital, professor de Pós Graduação na Escola Paulista de Direito (EPD), Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP Regional da Lapa. Mestre e Doutorando em Ciência da Informação pela UNESP. Facebook: Professor Milagre




Blockchain começa ser regulamentado no mundo

O Advento da tecnologia blockchain tem provocado e perturbado negócios seculares e industrias, tendo levantado inúmeras questões jurídicas que tratam de riscos e oportunidades. No Brasil, ainda não tem se registros de atividade legislativa sobre o tema. Diferente do mundo. Em 31/03 foi publicado no CoinDesk que um projeto de Lei no Arizona que reconhece assinaturas blockchain e contratos inteligentes tornou-se oficialmente Lei Estadual.

O governador do Arizona assinou o projeto em 29/03. O projeto reflete uma medida aprovada em Vermont que tornou admissível em Juízo dados do Blockchain. Ambas as leis tratam do registro de “fatos ou registros” vinculados à cadeia de blocos. No Delaware, igualmente, também já se elabora uma lei que irá reconhecer os registros de BlockChain. Nos Estados Unidos, como visto, inicia-se processos legislativos de modo a tentar regulamentar a tecnologia que pretende impactar e destruir modelos de negócios e serviços convencionais, há décadas estabelecidos.

Conheça neste artigo de Cornelius Grossmann, 5 impactos legais profundos no uso do BlockChain Building a Better Working World

Fontes:
[1] http://www.coindesk.com/arizona-governor-signs-blockchain-bill-law/
[2] http://www.coindesk.com/delaware-drafting-law-recognize-blockchain-records/




Aspectos Jurídicos do uso da infraestrutura BlockChain para negócios disruptivos

O Blockchain é a infraestrutura que permite que as moedas virtuais, bitcoins, existam. Esta infraestrutura possibilita uma série de inovações. O Blockchain, também chamado de cadeia de blocos, é um banco de dados que é distribuído e que registra as transações em moeda virtual, bitcoin, em redes P-2-P. De forma grosseira, pode-se dizer que o blockchain seria o “banco” que registra os pagamentos e transações feitas em criptomoedas. A grade diferença é que este “banco” não é uma autoridade centralizada. A base é distribuída em vários computadores pelo mundo.

Ou seja, é possível pagar, receber e trocar sem intermediários. Também não é cabível uma quebra de sigilo das transações (a principio) o que mantém governos e autoridades tributárias longe deste contexto, embora hoje já se fale em computação forense e investigação digital em blockchain, como no paper “A Forensic Look at Bitcoin Cryptocurrency”, de Michael Doran (Sans.org)

O que seria em principio utilizado para registrar transações de moedas virtuais, ou seja, toda a infraestrutura, vem sendo utilizada em diversas aplicações inovadoras, dentre elas, a autenticação de documentos, criações intelectuais, contratos e o registro de fatos na rede social, em substituição a velha “ata notarial” realizada por cartórios. Para contratos, há a necessidade de concordância das partes envolvidas, que submeteriam um documento assinado digitalmente e o hash (código criptográfico) da transação seria armazenado no BlockChain.

Em síntese, negócios disruptivos estão valendo-se da assinatura e certificado digital em uma rede para autenticar documentos e provar a validade dos mesmos. Embora não existam julgados, pode-se considerar tais avenças assinadas como prova adicional ou complementar e de forte robustez.

Por outro lado, na questão autoral, embora se possa registrar o ineditismo de criações intelectuais, o que de certo modo pode ser útil para demonstrar a anterioridade do uso, autoria de uma ideia (embora esta não seja protegida), modelo ou originalidade de uma criação, não se dispensa ainda o registro em meios oficiais, sendo considerado o registro no Blockchain uma prova válida diante de ausência de registros oficiais de propriedade intelectual ou autoral.

Deste modo, com o Blockchain é possível criar uma infraestrutura de certificação digital, gerando par de chaves que podem ser usadas para garantir a integridade, autenticidade e não repudio de manifestações e contratos. Usuários podem consultar o código da transação no site oficial do blockchain e checar dados de data e hora, sendo que a existência da transação no Blockchain prova que o documento existiu.

De se destacar que tanto o blockchain quanto a certificação digital usam chave privada para assinar as transações. Blockchain usa a tecnologia de certificação digital, embora blockchain não seja, a princípio, reconhecido no Brasil pela MP 2200/2001, que dá valor a cadeia de certificação da Infraestrutura de Chaves Públicas.

Em síntese, a capacidade de armazenar e carimbar data e hora em todos os tipos de dados, registrando transações e códigos gerados a partir da leitura da estrutura de documentos proporcionará a criação de inúmeras aplicações no campo legal e jurídico, e que irão abalar conceitos e estruturas já consolidadas, como a dos cartórios e registradores, por exemplo.

A dificuldade de fraudar estes registros públicos da estrutura blockchain, aumentando a segurança da informação, também são fatores que fomentarão novos negócios baseados na infra, o que demandará a adaptação de empresas seculares a este novo modelo, sob pena de desaparecerem. Algumas aplicações que rodam sobre BlockChain podem ser vistas em Bitcoins News

Como visto, a infraestrutura servirá para negócios oportunistas envolvendo cadeia de suprimentos, registros públicos, jurídicos e até mesmo relativos a propriedade intelectual, dentre outros, que deverão abalar modelos seculares estabelecidos e que se seguram graças a leis velhas e ultrapassadas. Pode-se conjeturar em um futuro próximo profundas inovações na seara notarial, registro de imóveis e até mesmo em áreas públicas como licitações e sistema eleitoral.

No processo eletrônico, algumas aplicações surgem para garantir que um documento ou petição fora protocolado, como uma “testemunha eletrônica”, nos casos de recusa de recebimento pelo Tribunal ou Vara. O mesmo vem acontecendo no aspecto tributário, onde aplicações garantirão as empresas autuadas pelo fisco que estas remeteram suas declarações e notas, com registros públicos das transações no blockchain, uma prova técnica e válida, considerando que hoje estas são vitimas do ônus de ter de provar que cumpriram as obrigações por meio da tecnologia imposta. Enfim, isto é só uma faísca do que está por vir com o uso da infraestrutura Blockchain, nas mais diversas áreas, nos mais diversos negócios.

Neste cenário, por fim, vale recordar as ideias de Dom Tapscott sobre o tema.

“Na década de 1990, os gerentes mais inteligentes trabalharam duro para entender a internet e como ela afetaria seus negócios. Hoje, a tecnologia de blockchain está inaugurando a segunda geração da rede mundial, e se as empresas não quiserem ficar para trás, terão de fugir do dilema do inovador e romper com aquilo que está estabelecido”.

José Antonio Milagre, advogado e perito especializado em direito digital, vice-presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP Regional da Lapa, sócio das Lawtechs 2Adv e Legaltech, Mestre em Ciência da Informação pela UNESP e árbitro da Câmara Internacional de Arbitragem e Mediação em Tecnologia da Informação, E-commerce e Comunicação (CIAMTEC.br) Direito Digital